quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

A HORA É AGORA!





— Preste atenção, meu filho. Estou no final de meus dias nesta vida e os Espíritos de nossos antepassados já se encontram aqui para guiar-me na grande viagem, mas, antes, preciso revelar-lhe um segredo – diz o velho índio ao filho Ayumara, de trinta e sete anos, ao sentir que suas forças já o estão abandonando no momento derradeiro da partida.
— Diga meu pai. Responde Ayumara.
— Peço aos Espíritos que me dêem forças para que eu tenha tempo suficiente para contar-lhe tudo.
— Eu lhe darei as minhas forças – diz o filho, tomando as mãos do velho.
— O que quero lhe contar, aconteceu há muitos anos, num belo dia em que saí para caçar e embrenhei-me na Mata da Cobra.
— Na Mata da Cobra? O senhor entrou lá?
— Sim.
— Meu pai, o senhor é um bravo!
— Deixe-me contar-lhe. Entrei na mata naquele dia e caminhei muito, encontrando caça abundante. Quando já estava para retornar, vi um pássaro diferente, bastante colorido, pousado em uma árvore, por detrás de um espesso cipoal. Caminhei vagarosamente até perto dele e foi, então, que estaquei profundamente deslumbrado com o que vi um pouco mais ao longe.
— O que foi que o senhor viu?
— Percebi, logo à frente, atravessando a cortina de cipós... Eu vi... Meu filho,...  Fico emocionado...!
— Conte pai.
— Vi uma imensa e linda cachoeira, e dela bebi a mais deliciosa água que já havia experimentado. Uma água diferente sabe? Uma água leve, com um ligeiro gosto de mato. Vi, também, muitas árvores desconhecidas, com muitas frutas. Delas provei e pareceu-me sentir o sabor do mel em suas polpas.
— E por que o senhor nunca revelou isso aos outros da aldeia?
— Esse é o grande segredo, meu filho, que quero lhe revelar.
— Pois diga meu pai.
— O meu primeiro impulso, realmente, foi o de contar a todos e levá-los correndo até aquele verdadeiro paraíso, mas quando aqui cheguei à aldeia, fiquei com medo e resolvi pensar um pouco melhor.
— E por quê?
— Na época, achei melhor descobrir, antes, uma maneira de fazer essa revelação, porque tive receio de que não soubessem aproveitar bem tudo o que aquele local poderia oferecer-lhes. Além disso, tive medo, também, de passar por mentiroso, pois a maioria teme embrenhar-se naquela mata, e passei todos estes anos, usufruindo sozinho daquele lugar maravilhoso, pensando e pensando sobre uma maneira de fazê-lo participar também daquela minha felicidade. E hoje que me encontro à beira da morte, quero lhe ensinar o caminho e pedir-lhe que descubra uma maneira de revelá-lo a todos os seus irmãos.
— Farei isso, meu pai, mas conte-me onde fica esse paraíso.
O velho índio, então, com muito esforço, relata minuciosamente ao filho como chegar ao cipoal no interior da Mata da Cobra, vindo a falecer, logo em seguida.
Passado o ritual de despedida pela passagem ao mundo espiritual do velho guerreiro, Ayumara, munido de muita coragem e confiança no que o pai lhe contara, percorre o caminho ensinado e, da mesma maneira que o velho índio deleita-se com tudo o que aquele local, ainda praticamente virgem, pode oferecer.
— Realmente, meu pai tinha razão. Isto é um verdadeiro paraíso – diz para consigo mesmo, passando três dias e três noites naquela mata, desvendando e conhecendo, cada vez mais, as maravilhas que a natureza, graciosamente, ali plantara. — Mas não posso fazer como meu pai. Tenho que contar a todos os outros para que possam vir, também, usufruir tudo isto. Talvez, até nos mudarmos para cá.
Sim – continua a pensar — vou fazer isso, porém, acho que, primeiramente, devo pesquisar e conhecer melhor todos os mistérios deste lugar. Devo conhecer tudo como a palma de minha mão, para, só então, anunciar o que meu saudoso pai descobriu.
E daquele dia em diante, Ayumara, sorrateiramente, sem que ninguém perceba, realiza mais e mais incursões na Mata da Cachoeira, que foi como a batizou, a fim de descobrir novos caminhos, novas árvores, novos frutos e novos animais. Porém, o tempo passa e Ayumara envelhece, chegando também, assim como a seu pai, a hora da despedida do mundo material e pede a presença de seu filho Taiguara no intuito de contar-lhe o segredo da mata e assim o faz, rogando que ele não perca tempo com mais pesquisas e leve o povo para lá morar. Taiguara promete ao pai que fará o melhor possível para atender ao seu pedido.
— Não posso acreditar no que vejo! – exclama Taiguara ao entrar naquela mata. — Preciso contar a todos sobre este paraíso!
E, dizendo isso, volta correndo para a aldeia, visivelmente emocionado com o que vira e, principalmente, com o que ainda tem para deliciar-se, pois o velho Ayumara lhe contara todos os segredos que pudera desvendar durante todos os anos que passara na mata. Chega esbaforido e tenta reunir todos os PARENTES a fim de revelar-lhes de uma só vez aquela descoberta que somente ele conhecia. Estava muito orgulhoso disso. Tinha certeza de que seria considerado um grande guerreiro.
Porém, por mais que tentasse, não conseguia reunir a todos de uma só vez. Quando conseguia reunir um pequeno grupo, os outros se dispersavam para tratar de suas atividades. Mesmo à noite, era-lhe difícil. Decidiu, então, procurar a Tuxaua da tribo para pedir-lhe que fizesse uma reunião, dizendo-lhe que tinha uma grande revelação a fazer.
— Que revelação é essa, meu filho? – pergunta-lhe a chefe maior da tribo.
— A senhora me desculpe, mas gostaria de eu mesmo falar a todos de uma só vez – pede Taiguara, tomado de orgulho e de egoísmo, pretendendo angariar, somente para si, os louros da descoberta.
— Isso é impossível, Taiguara. A nossa tradição diz que somente a Grande Matriarca, a Tuxaua, pode falar a todos de uma só vez. Se você me contar o que sabe, farei uma análise do assunto e, aí, então, se eu achar que é do interesse de todos, eu mesma farei a comunicação.
Taiguara pensa um pouco e, temendo não ser levado a sério, meneia a cabeça negativamente. A Tuxaua ainda insiste mais uma vez, sabiamente, sugerindo-lhe:
— Se não quer contar-me, mas acha muito importante que os outros saibam, conte a alguns poucos e estes se incumbirão de repassar aos outros. O que não se pode é fazer uma grande reunião.
Taiguara agradece a atenção e sai cabisbaixo da oca da Tuxaua e até o fim de seus dias, dirige-se à Mata da Cachoeira, onde fica tentando descobrir uma forma de falar a todos e, da mesma forma, como seu pai e seu avô fizeram na hora da derradeira partida, chama o filho Aracaya e relata-lhe tudo, pedindo que descubra uma maneira de tornar público o segredo que já passara incólume por três gerações.
Aracaya, assim como o pai, fica, então, conhecendo a Mata da Cachoeira e após muitos dias de reflexão, acaba descobrindo mirabolante maneira de realizar o que o pai lhe pedira. Procurando chamar a atenção de todos, corre até a aldeia, sobe numa grande árvore e munido de um arco e de muitas flechas, começa a atirá-las a esmo sobre todos os que se aproximam daquele local, na intenção de fazer com que toda a tribo aglomere-se embaixo daquela  árvore, a fim de que possa, então, falar de uma só vez a todos, sem que tenha descumprido a lei, pois, afinal de contas, não conclamara nenhuma reunião pública.
Porém, o que acontece é que terminadas as flechas, da árvore é retirado e como costume da tribo, é amarrado pelas mãos e pelos pés num dos troncos da oca de sua mãe, permanecendo, dessa maneira, por muitos anos, sendo alimentado por uma velha índia. Ninguém mais, a partir daquele momento, dá-lhe ouvidos, já que é considerado como alguém que perdera a razão. Alguns anos se passam e Aracaya vem a falecer sem ter nenhum descendente para contar sobre os segredos da Mata da Cachoeira.
            Todos nós sabemos que possuímos duas importantes missões, tanto no plano espiritual, quanto no plano terreno: uma que é a de evoluirmos moralmente, com a grande oportunidade que o Grande Criador, nosso Pai, nos oferece, a fim de apararmos as arestas de nossa ignorância.
E a outra intrinsecamente ligada à primeira, já que, se cumprida, em muito contribuirá com ela, que é a de servir ao nosso semelhante. E isso, obviamente, podemos cumprir até nas ocupações mais simples e anônimas. Agora, imagina naquelas de cunho mais importante como repassarmos aos nossos irmãos, seja por meio de ensinamentos teóricos, seja por edificantes ensinamentos, através do exemplo prático, as lições do mais alto que já assimilamos em nossos corações.
Agora, quantas e quantas vezes, temos agido como o velho índio, seu filho Ayumara, o neto Taiguara e, finalmente, Aracaya, achando que ainda é cedo para cumprirmos com essa ou aquela missão, amparando-nos com a íntima desculpa de que não possuímos condições para tanto ou, então, que nossos irmãos necessitados não têm capacidade de assimilação, que não temos tempo ou, mesmo, o que é pior, sentirmo-nos travados pelo nosso egoísmo, pelo nosso orgulho ou imensamente aprisionados pelos prazeres e gozos materiais.
Não devemos perder nunca o nosso tempo, mesmo que seja para oferecermos um simples sorriso a um nosso semelhante ou sermos polidos e educados com todos os que nos cercam, tendo sempre uma palavra amiga e compreensiva. A oportunidade nos é oferecida a todo o momento, a cada minuto, a cada segundo e não podemos perdê-la porque na verdade, e é bom lembrarmos sempre disso: A hora é agora!



segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A TRIBO ESTÁ EM FESTA!


Chegou pra brincar
com o povo na floresta!
Alegria e festa,
emoção que faz delirar!

Enfeita o terreiro
e acende a fogueira!

Ribumba tambor!
Ribumba tambor!
Faz tremer este chão!

Sateré, Sateré, Sateré, Mawé!
Sateré, Sateré, Sateré, Mawé!

Urupadi! Manjuru!
Miriti! Marau! Andirá!

lagarta de fogo, Sateré!
lagarta de fogo, Sateré!
papagaio falante, Mawé!

Luar no céu! no céu!
Encanto no ar! no ar!
Do sangue guerreiro
do povo do Guaraná!



Iacoamã Icumaató!

Tem Caxiri! Tarubá!
e Guaraná-çapó!

Ó! Ó! Ó! Ó!

lagarta de fogo, Sateré!
lagarta de fogo, Sateré!
papagaio falante, Mawé!






                         

                        É fim de ano! E toda a tribo está reunida pros festejos da passagem de ano. Motivo de muita festa, alegria e confraternização. De agradecimento pela colheita, considerando todos os acontecimentos. Desde as dificuldades todas até a fartura do peixe, da caça, do plantio, dos nascidos. Todos celebramos juntos. A mesa é farta de muitos frutos colhidos na floresta, como o açaí, o tucumã, a pupunha, a bacaba e, principalmente, o Çapó (Paullínia Sorbilis, o conhecidíssimo Guaraná!). Também tem muita carne de animais da criação, bem como a de caçados na floresta. É o momento que se renova a cada ano, permitindo a nós, Sateré Mawé, comungarmos de nossa gênese mítica, revigorando-nos espiritualmente e, portanto, etnicamente.

                        Momento em que são contadas muitas histórias transmitidas por parentes nossos que habitam o Noçokém - dimensão das representações simbólicas que nos permitem o intercâmbio com o mundo espiritual. Nesse sentido, importa lembrar aqui, com as diferenças justas, a semelhança existente entre as alterações da existência para a alma humana e os insetos de metamorfose completa, como é o caso da borboleta, e as nossas representações simbólicas.

                        A larva da lagarta, como os insetos de transformação total, experimenta vários períodos de renovação até atingir a condição de adulto, muito embora permaneça com o mesmo aspecto, porquanto apenas depois da derradeira mudança de pele é que se torna o que chamaremos de casulo ou pupa.

                        Nessa condição, acusa progressiva diminuição de atividade, até que não mais suporte alimentar-se. Esvaziam-se-lhe os intestinos e paralisam-se-lhe os movimentos. A larva protege-se, então, no solo ou na planta, preparando-se para o ritual de passagem, necessário para a sua própria liberação e evolução.

                        Permanece, assim, imóvel, e não se alimenta do ponto de vista fisiológico, encrisalizando-se em fios de seda por ela própria constituídos com a secreção das próprias glândulas salivares, agregados a pequeninos tratos de terra, ou nos vegetais com que tem contato, formando, desse modo, o casulo em que repousa, durante certo tempo, que pode durar alguns dias e até meses.

                        Na situação de pupa, ao impacto das vibrações de sua própria organização natural, sofre profunda modificação em seu organismo, modificação que equivale a verdadeiro aniquilamento ou esvaziamento das aparentes forças vitais, ao mesmo tempo em que elabora órgãos novos, valendo-se dos tecidos que perduraram.

                        Então, somente quando as ocorrências da metamorfose se realizam completamente, é que o novo ser, integralmente renovado, abandona o casulo, revelando-se por leve, ágil e de cores vibrantes, como acontece com a borboleta. Entretanto, embora magnificentemente modificada, a borboleta alada e multicor é o mesmo indivíduo, somando em si as experiências dos três aspectos fundamentais de sua existência de larva, ninfa e inseto adulto.

                        Semelhantemente, a criança recém-nata retira-se do útero e entra em nova fase de evolução, que se firma através de alguns anos. A princípio, tenra e frágil, retém na própria organização física todos os recursos que lhes foram doados pela natureza para que possa existir.

                        A criança se desenvolve, satisfazendo os imperativos da própria vida, alimentando-se o necessário para manter-se saudável, de maneira que se lhe ajuste aos desígnios traçados desde o Noçokem, no mundo espiritual. Assim, a criatura humana, depois do período infantil, atravessa expressivas etapas de renovação interior, até alcançar a madureza corpórea, e até que chegue o esgotamento da força vital no curso da vida, através da senectude pelos anos vividos, pelo esgotamento natural dos órgãos ou por intervenção de enfermidade, é quando se habilitará à transformação mais profunda.

                        Nesse período característico do esgotamento natural dos órgãos ou por acometimento de moléstia irreversível, demonstra gradativa diminuição de atividade – como a pupa -, não mais aceitando a alimentação. Pouco a pouco, declinam-se as suas atividades fisiológicas e a inércia substitui-lhe os movimentos. Prepara-se, desde então, quase sempre deitado na rede, para fazer a passagem, para o trabalho liberatório, necessário para a sua própria evolução. Chega, assim, o momento em que se imobiliza na cadaverização, mumificando-se à feição da crisálida, mas envolvendo-se no mais íntimo do seu ser com os fios dos próprios pensamentos, conservando-se nesse casulo de forças mentais, construído por suas próprias ideias, pela sua própria mente. 

                        No ciclo de metamorfose de seu corpo, padece extremas alterações até que os acontecimentos da morte se realizam. Acariciado pelo bafejo edificante dos Condutores Espirituais que lhe acalentam a marcha, o espírito dorme o sono da morte, mumificando-se na cadaverização, como acontece à pupa. Plenamente renovada em si mesma, a criatura humana abandona o corpo físico. 

                        Metamorfoseada, não obstante ter abandonado o corpo físico, a personalidade humana continua, além túmulo, aprendendo sem perder a própria identidade, somando consigo as experiências da vida na terra, da passagem e da metamorfose sofrida no Noçokem, ou seja, no plano espiritual.

                        Aprendemos desse modo, que a nossa existência deve atender a pressupostos de conduta moral, onde temos a oportunidade, dada por Deus, de atendermos à plantação dos sentimentos, palavras, atitudes e ações com que, no Noçokem, encontrar-nos-emos com a colheita dessa sementeira praticada na forma física, com que entesouramos ou não as experiências necessárias a sublime ascensão a que todos somos destinados.

                        Assim sendo, como o pássaro para desenvolver-se no ovo precisa aquecer-se ao calor da ave que o acolha maternalmente, e assim como a semente, para liberar os princípios germinativos da árvore gigantesca em que se converterá, precisa da terra, os espíritos que habitam o Noçokem, sequiosos de reintegração no mundo físico, necessitam da mulher, cuja matriz uterina oferecer-lhes-á novas formas e, assim como a larva, assegurando a esperada metamorfose, o espírito avança em mais uma experiência, em novo corpo físico, adquirindo méritos ou deméritos, segundo a própria conduta, e entregando-se em seguida, novamente ao fenômeno da morte da matéria física. É assim que a consciência nascente do homem se desenvolve para a eternidade. 

                        Acreditamos que todas as coisas criadas por Deus estão em constante evolução, segundo leis naturais estabelecidas por Ele mesmo e, portanto, são inderrogáveis, ou seja, são imutáveis. Resta-nos aprender com a observação dos acontecimentos naturais, para retirarmos daí as mais sublimes lições de vida necessárias para a continuidade de nossa existência nessa romagem eterna ascensional.

                        Então, tudo é só alegria! 

                        Vamos todos comemorar mais uma passagem, pois temos muito, muito, muito ainda que aprender e nos desenvolvermos como seres criados para a eternidade!




Ribumba tambor!
Ribumba tambor!
Faz tremer este chão!


 Dança filho da terra,
o canto mais forte é o
grito de guerra!



Ô! Ô! Ô! Ô!

Ô! Ô! Ô! Ô!


 Hei! Hei! Hei! Hei! Hei! Há!
Hei! Hei! Hei! Hei! Há!
 


O coração desperta! 


Heira! Heira! Heira! Hei!
Heira! Heira! Heira! Hei!

Heira! Heira! Heira! Hei!
Heira! Heira! Heira! Hei!



sexta-feira, 22 de novembro de 2013

CARTA ABERTA À PRESIDENTA DILMA ROUSSEFF



CARTA ABERTA À PRESIDENTA DILMA ROUSSEFF

SOBRE AMEAÇAS E ATAQUES DE RURALISTAS CONTRA POVOS INDÍGENAS

INTERVENÇÃO FEDERAL NO MATO GROSSO DO SUL JÁ!!!

VIA Conselho Indigenista Missionário – Cimi







À
Presidenta Dilma Rousseff

Desde a morte de Oziel Terena, assassinado por forças policiais durante o cumprimento de uma reintegração de posse na terra indígena Buriti em maio deste ano, uma série de acontecimentos tem colocado em risco a segurança e a vida das comunidades indígenas do Mato Grosso do Sul. Em sua guerra particular contra os povos indígenas, fazendeiros tem se manifestado de forma cada vez mais agressiva no discurso e na ação contra estes povos.

Estimulado por declarações violentas e preconceituosas de fazendeiros e seus representantes no Mato Grosso do Sul, o conflito chega a um estado de recrudescimento que exige de nós, organizações indígenas e indigenistas, vir a público mais uma vez denunciar a situação urgente e gravíssima dos povos originários do estado, e exigir uma intervenção federal imediata no Mato Grosso do Sul, de modo a evitar mais uma tragédia anunciada no Brasil.

Em Campo Grande, durante a invasão da sede da Fundação Nacional do Índio por 150 produtores rurais, no dia 19 de novembro, uma fazendeira gritou, dirigindo-se a indígenas que estavam no local: "o dia 30 está chegando (...), e rogo uma praga a vocês: morram. Morram todos!". Foi aplaudida pelos manifestantes.

Dia 30 de novembro foi o prazo final estabelecido pelos produtores rurais do Mato Grosso do Sul para que o governo solucione os conflitos fundiários no estado. No entanto, prevendo que o Estado não consiga apresentar uma proposta que efetivamente dê cabo do problema - e que favoreça o segmento do agronegócio - os fazendeiros, através de suas associações, tem pública e repetidamente dado declarações como esta.

"O prazo para uma solução final é 30 de novembro. Depois disso, como já é tragédia anunciada, os fazendeiros irão partir para o confronto legítimo para defender seu direito de propriedade. E vai haver derramamento de sangue, infelizmente", declarou o vice-presidente da Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrissul), Jonatan Pereira Barbosa, na tribuna da Comissão de Reforma Agrária do Senado Federal, no dia primeiro de novembro, conforme publicado no sítio eletrônico da entidade.

O presidente da Acrissul, Francisco Maia, no último dia 8, em reunião com 50 produtores rurais do estado, disse: “A Constituição garante que é direito do cidadão defender seu patrimônio, sua vida. Guarda, segurança, custa dinheiro. Para entrarmos numa batalha precisamos de recurso. Imagine se precisamos da força de 300 homens, precisamos de recurso para mobilização”.

Em nova reunião, no dia 12 de novembro, o vice-presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), Nilton Pickler, também veio à público corroborar a posição da Acrissul: “Estamos em uma terra sem lei, onde invadir propriedade não é mais crime, alguma reação precisa ser feita”, afirmou.

As entidades representativas dos produtores rurais do estado estão organizando, para o dia 7 de dezembro, em Campo Grande, um leilão de animais, commodities, máquinas e produtos doados pelos próprios pecuaristas do estado, para arrecadar recursos para ações contra os indígenas. Deram ao evento o nome de "Leilão da Resistência". Declararam, no último dia 19, que já receberam 500 cabeças de gado como doação, equivalentes a, no mínimo, 500 mil reais.

O documento final da Quarta Assembleia do Povo Terena, que contou com a participação de mais de 300 lideranças Indígenas de todo o estado, representando os mais de 70 mil indígenas que lá vivem, declarava: "a tragédia está anunciada em Mato Grosso do Sul (...). É pública e notória a ameaça concreta intentada contra os povos indígenas pelos ruralistas deste estado". Para os indígenas, está claro: os “leilões da resistência" anunciados pelos produtores rurais "tem por objetivo financiar milícias armadas".

Em carta, os indígenas criticaram o Estado pelo abandono das negociações, no sentido de encontrar saídas para a questão indígena. "O governo federal instalou (...) uma mesa de diálogo na tentativa de resolver a demarcação de nossos territórios. No entanto, após vários prazos estipulados pelo próprio ministro [da Justiça], não há nada de concreto a ser apresentado aos povos indígenas".

As comunidades Terena, Guarani-Kaiowá, Guarani Ñandeva, Kinikinau e Kadiwéu em luta pela garantia de seus territórios tradicionais, tem relatado e denunciado à Polícia Federal, à Funai e ao MPF um sem número de casos de ataques a tiros, invasões, intimidações e ameaças de morte que os indígenas vem sofrendo no último período. Apesar disso, até o momento, nenhuma segurança permanente está sendo oferecida a estes povos.

Os indígenas conhecem bem o trabalho da segurança privada que os fazendeiros pretendem ampliar na região. Em contexto do conflito envolvendo indígenas e fazendeiros, em novembro de 2011, a empresa de segurança privada Gaspem, que prestava - e ainda presta - serviços a proprietários de terras que incidem sobre território tradicional indígena, foi acusada de envolvimento na morte do rezador Guarani-Kaiowá Nízio Gomes, no tekoha Guaiviry, em Aral Moreira. Na denúncia, o Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul (MPF-MS) classificou as atividades da empresa como de uma “milícia privada”, exigindo a suspensão das atividades da companhia. Em função do caso, sete pessoas estão presas, conforme relatou o MPF.

Jornais e televisões locais também tem associado o termo "milícias armadas" ao discurso dos ruralistas sobre o leilão e sobre as ameaças do dia 30 de novembro. Agências de notícias internacionais categorizaram o caso como "conflito sangrento (...) com características de guerra territorial".

É público e notória que, no Mato Grosso do Sul, os fazendeiros estão organizando força paramilitar para atentar contra a vida de coletividades e contra o Estado de direito no Brasil.

A "resistência" dos latifundiários é contra a demarcação das terras indígenas. É contra a realização de laudos e perícias pela Funai. É contra a organização política dos indígenas, que avançam na retomada de seus territórios tradicionais, frente à morosidade do Estado e da Justiça, de toda a violência que vem sofrendo, das mãos das forças policiais estaduais e federais, e das seguranças privadas “legais” ou ilegais que atuam na região. A dita "resistência" é, a rigor, contra a vida destas pessoas.

Em função desta conjuntura, extensão de um violento processo histórico de espoliação, confinamento e extermínio dos povos indígenas desta região, as organizações signatárias vem a público exigir da presidente Dilma uma intervenção federal imediata no Estado do Mato Grosso do Sul. O poder público pode e deve evitar esta “tragédia anunciada”, repetição sistemática do genocídio contra os povos indígenas. E isto precisa ser feito agora. O reconhecimento e a demarcação das terras indígenas é a verdadeira solução para a situação que está posta no Mato Grosso do Sul.

Brasília, 21 de novembro de 2013.

Conselho Indigenista Missionário – Cimi
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul – ArpinSul
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – Apoinme
Aty - Guassu Guarani Kaiowá
Conselho de Caciques Terena
Conselho Indígena de Roraima - CIR
Instituto Kabu - Nejamrô Kayapó
Associação dos Índios Tupinambá da Serra do Padeiro - AITSP
CCPIO AP. Galibi Marworno - Paulo R. Silva
Vídeo nas Aldeias – Vicent Carelli
Operação Amazônia Nativa – Opan
Instituto de Pesquisas e Formação Indígena – Iepé
Instituto Sócio Ambiental – ISA
Associação Terra Indígena Xingu – ATIX
Instituto Indígena para Propriedade Intelectual - Inbrapi
HAY – Dário Vitória Kopenawa Yanomami
HAY – Davi Kopenawa Yanomami
Blog do Luar – Luar Sateré Mawé



segunda-feira, 4 de novembro de 2013

PARA O RESTO DE NOSSAS VIDAS




Existem coisas pequenas e grandes, coisas que levaremos para o resto de nossas vidas.

Talvez sejam poucas, quem sabe sejam muitas, depende de cada um, depende da vida que cada um de nós levou. Levaremos lembranças, coisas que sempre serão inesquecíveis para nós, coisas que nos marcarão, que mexerão com a nossa existência em algum instante.

Provavelmente iremos pela a vida a fora colecionando essas coisas, colocando em ordem de grandeza cada detalhe que nos foi importante.

Cada momento que interferiu nos nossos dias, que deixou marcas, cada instante que foi cravado no nosso peito como uma tatuagem.

Marcas, isso...! Serão marcas, umas mais profundas, outras superficiais, porém com algum significado também. Guardaremos dentro de nós e que se contarmos para terceiros talvez não tenha a menor importância, pois só nós saberemos o quanto foi incrível vivê-los.

Poderá ser uma música, quem sabe um livro, talvez uma poesia, uma carta, um e-mail, uma viagem, uma frase que alguém tenha nos dito num momento certo.

Poderá ser um raiar de sol, um buquê de flores que se recebeu um cartão de natal, uma palavra amiga num momento preciso.

Talvez venha a ser um sentimento que foi abandonado, uma decepção, a perda de alguém querido, um certo encontro casual, um desencontro proposital.

Quem sabe uma amizade incomparável, um sonho que foi alcançado após muita luta, um que deixou de existir por puro fracasso.

Pode ser simplesmente um instante, um olhar, um sorriso, um perfume, um beijo.

Para o resto de nossas vidas levaremos pessoas guardadas dentro de nós.

Umas porque dedicaram um carinho enorme, outras porque foram o objeto do nosso amor, ainda outras por terem nos magoado profundamente.

Quem sabe haverão algumas que deixarão marcas profundas por terem sido tão rápidas em nossas vidas e terem conseguido, ainda assim, plantar dentro de nós tanta coisa boa.

Lá na frente é que poderemos realmente saber a qualidade de vida que tivemos, a quantidade de marcas que conseguimos carregar conosco e a riqueza que cada uma delas guardou dentro de si.

Bem lá na frente é que poderemos avaliar do que exatamente foi feita a nossa vida, se de amor ou de rancor, se de alegrias ou tristezas, se de vitórias ou derrotas, se de ilusões ou realidades.

Devemos nos lembrar sempre de que hoje é só o começo de tudo, que se houver algo errado ainda está em tempo de ser mudado e que o resto de nossas vidas, de certa forma, ainda está em nossas mãos.



sexta-feira, 1 de novembro de 2013

AS INVASÕES BÁRBARAS




Pouco mais de cem anos atrás, no Peru, um professor de história da Universidade de Yale, Hiram Bingham, deixou o acampamento em um vale, a noroeste de Cusco, e caminhou através da floresta de nuvem para o cume de uma montanha, a mais de 7.500 metros acima do nível do mar. Lá, muito acima do rugir do rio Urubamba, ele encontrou uma antiga cidadela de pedra, bem como terraços esculpidos de templos e túmulos, edifícios de granito e paredes polidas que estavam cobertos de séculos de cipós e da vegetação.
Hiram Bingham tinha tropeçado em todo o sítio inca de Machu Picchu, no local que ele acreditava ser a "cidade perdida dos Incas". Machu Picchu pode vir a ser o maior e mais importante ruína descoberta na América do Sul, desde os tempos da conquista espanhola", escreveu na edição de 1913 da National Geographic.
Mas suas palavras foram equivocadas. Bingham não tinha "descoberto" Machu Picchu. Nem foi "perdido". Ele pode ter alertado para o mundo científico ocidental - pois não havia relatos de que nas crônicas dos invasores espanhóis -, mas as tribos locais devem ter tido conhecimento da sua existência. No entanto, o historiador Christopher Heaney, da Universidade do Texas e autor de um livro sobre Hiram Bingham, afirma que ficou surpreso ao descobrir um familiar dos indígenas Inca, próximo a cidadela. "Quando ele subiu a montanha estava muito surpreso ao encontrar uma família indiana no topo da colina", disse ele. Assim, a afirmação feita por Bingham sobre a “descoberta” tornou-se inócua e sem sentido.
É pouco provável que a sua terminologia tivesse ramificações adversas para os povos indígenas locais, mas a linguagem de colonos há muito tempo tem uma parte trágica, quando provoca a destruição de povos tribais em todo o mundo, não só pelo genocídio como pelo etnocídio. Durante séculos, as terras tribais têm sido consideradas como "vazias", a fim de justificar sua invasão e seu roubo por razões comerciais, militares ou de conservação. 
Os preconceitos racistas e a rotulagem dos povos tribais como 'atrasados', 'incivilizados' ou 'selvagens' - têm disseminado comportamentos e atitudes comuns de desrespeito e medo, o que vem sido levantado como argumentos de justificativa para o tratamento terrível a que os povos indígenas têm sido submetidos.
Quando os colonizadores europeus desembarcaram nas costas da Austrália, eles reivindicaram a terra, porque fora considerada como "terra nullius" -, ou seja, terras que pertencem a ninguém. Ledo engano. Os aborígenes já viviam lá há, talvez, 50 mil anos e ainda se invoca o conceito de "terra nullius", que só foi devidamente derrubado em 1992, permitindo que as terras a serem roubadas legitimamente das pessoas que ocuparam pela primeira vez o continente. 
Sob a lei colonial britânica, os aborígenes não tinham direitos, pois eles eram considerados muito "primitivos" para serem proprietários. Por conta desse entendimento, em pouco mais de 100 anos após a primeira invasão, a população aborígine foi reduzida de cerca de um milhão para apenas 60 mil.
Da mesma forma, quando os ventos alísios trouxeram Cristóvão Colombo ao "Novo Mundo", em 1492, fizeram com que ele, de fato, chegasse às terras dos povos que já viviam nessas terras por milênios. Eram tribos que tinham suas próprias leis de sucesso, rituais, crenças, valores, formas de vida e as suas próprias religiões. 
"Os brancos gritam hoje: ‘Nós descobrimos a terra do Brasil!’ ", diz Davi Kopenawa, do povo Yanomami, “como se a terra fosse desabitada! Como se os seres humanos não tivessem vivido nela desde o início dos tempos! 
Um pensamento ecoou por Megaron Txukarramãe, do povo Kayapó, quando disse: "A terra que os brancos chamam Brasil pertencia aos índios. Invadiram e tomaram posse dela."
A realidade, claro, é que a América do Sul e do Norte não eram “terras novas”, a Austrália não estava “desocupada” antes da chegada dos europeus e Machu Picchu, portanto, não foi "descoberto", em 1911. 
A frase “descobrimento da América” é absolutamente impertinente, o que eles descobriram foi uma América que tinha sido descoberto há milhares de anos antes por seus próprios habitantes. Assim, o que ocorreu foi a invasão da América - uma invasão de uma cultura muito estranha.

Luar