quarta-feira, 24 de abril de 2013

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS


ONU prepara Declaração Universal dos Direitos dos
Povos Indígenas no ano em que eles são homenageados



Depois de declarar 1993 como o Ano Internacional dos Povos Indígenas, a ONU parece estar perto de adotar a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas. O projeto da Declaração foi proposto pelo Grupo de Trabalho sobre Populações Indígenas da Subcomissão para a Prevenção da Discriminação e Proteção das Minorias da ONU.
Mesmo sabendo que as normas internacionais são instrumentos criados pelos Estados e para os Estados, é preciso reconhecer que há uma progressiva preocupação pela situação e pela proteção dos povos indígenas no sistema das Nações Unidas. É um fato que, apesar da resistência de alguns governos que já se preparam para se opor à aprovação do projeto da Declaração, nos últimos anos, os povos indígenas passaram a ser reconhecidos pela comunidade internacional como sujeitos do Direito Internacional.
Esta crescente preocupação, evidentemente, foi marcada pelas pressões feitas pelos povos e organizações indígenas, inclusive nos Fóruns da ONU. É por isso que a Declaração inclui: aspectos relevantes sobre os direitos culturais e étnicos coletivos, o direito à terra e aos recursos naturais, a manutenção das estruturas econômicas e os modos de vida tradicionais, o direito consuetudinário e o direito coletivo à autonomia.
O mais relevante nesta crescente preocupação pelos direitos humanos dos povos indígenas é a mudança de ênfase dos direitos universais individuais para os direitos humanos coletivos.
Mesmo com as devidas reservas por tratar-se de normas desenvolvidas pelos governos e para os governos - esta atenção aos direitos coletivos, a desejada aprovação da Declaração Universal sobre Direitos Indígenas e a sua ratificação pelos Estados subscritores configuram um novo espaço internacional no qual os povos indígenas poderão continuar a luta tanto para melhorar quanto para mudar a situação de discriminação e opressão a que temos estado submetidos nos últimos séculos no seio dos diferentes Estados Nacionais.
         A seguir cópia dos principais pontos abordados pela Declaração Universal dos Direitos dos
Povos Indígenas.

Parágrafos preambulares
1 - Afirmando que todos os povos indígenas são livres e iguais em dignidade e direitos, de acordo com as normas internacionais, e reconhecendo o direito de todos os indivíduos e povos de serem distintos e de considerarem-se distintos, e serem respeitados como tais;

2 - Considerando que todos os povos contribuem para a diversidade e a riqueza das civilizações e culturas, as quais constituem patrimônio comum da humanidade;

3 - Convencidos de que todas as doutrinas, políticas e práticas de superioridade racial, religiosa, étnica ou cultural são cientificamente falsas, legalmente inválidas, moralmente condenáveis e socialmente injustas;

4 - Preocupados com o fato de os povos indígenas terem sido frequentemente privados de seus direitos humanos e liberdades fundamentais, tendo como resultado a perda de suas terras, territórios e recursos, assim como a pobreza e a marginalização;

5 - Celebrando o fato de que os povos indígenas estão se organizando para pôr fim a todas as formas de discriminação e opressão onde quer que ocorram;

6 - Reconhecendo a urgente necessidade de promover e respeitar os direitos e características dos povos indígenas, que se originam em sua história, filosofia, culturas, tradições espirituais e outras, assim como em suas estruturas políticas, econômicas e sociais, especialmente seus direitos a terras, territórios e recursos;

7 - Reafirmando que os povos indígenas, no exercício de seus direitos, deveriam ver-se livres de discriminação adversa de todo tipo;

8 - Respaldando os esforços para consolidar e fortalecer as sociedades, culturas e tradições dos povos indígenas, através de seu controle sobre os processos de desenvolvimento que afetem a eles ou às suas terras, territórios e recursos;

9 - Enfatizando a necessidade da desmilitarização das terras e territórios dos povos indígenas, o que contribuirá para a paz, a compreensão e as relações amistosas entre os povos do mundo;

l0 - Enfatizando a importância de dar especial atenção aos direitos e necessidades das mulheres, jovens e crianças indígenas;

11 - Convencidos de que os povos indígenas têm o direito de determinar livremente suas relações com os Estados nos quais vivem num espírito de coexistência com outros cidadãos;

12 - Ressaltando que os Convênios Internacionais sobre os Direitos Humanos afirmam a fundamental importância do direito à autodeterminação, assim como o direito de todos os seres humanos de procurar seu desenvolvimento material, cultural e espiritual em condições de igualdade e dignidade;

13 - Tendo em conta que nada nesta Declaração pode ser usado como justificativa para negar a qualquer povo seu direito à autodeterminação;

14 - Conclamando os Estados a cumprir e implementar efetivamente todos os instrumentos internacionais aplicáveis aos povos indígenas;

15 - Solenemente proclamamos a seguinte Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas:

Parágrafos operativos
Parte 1
1 - Os povos indígenas têm o direito à autodeterminação, de acordo com a lei internacional. Em virtude deste direito, eles determinam livremente sua relação com os Estados nos quais vivem, num espírito de coexistência com outros cidadãos, e livremente procuram seu desenvolvimento econômico, social, cultural e espiritual em condições de liberdade e dignidade.
2 - Os povos indígenas têm o direito ao pleno e efetivo desfrute de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos na Carta das Nações Unidas e outros instrumentos internacionais de direitos humanos.
3 - O povos indígenas têm o direito de serem livres e iguais a todos os outros seres humanos em dignidade e direitos, e de serem livres de distinção ou discriminação adversa de qualquer tipo baseada em sua identidade indígena.

Parte II
4 - Os povos indígenas têm o direito coletivo de existir em paz e segurança como povos distintos e de serem protegidos contra o genocídio, assim como os direitos individuais à vida, integridade física e mental, liberdade e segurança da pessoa.
5 - Os povos indígenas têm o direito coletivo e individual de manter e desenvolver suas características e identidades étnicas e culturais distintas, incluindo o direito à auto identificação.
6 - Os povos indígenas têm o direito coletivo e individual de serem protegidos do genocídio cultural, incluindo a prevenção e a indenização por:
a) qualquer ato que tenha o objetivo ou o efeito de privá-los de sua integridade como sociedades distintas, ou de suas características ou identidades culturais ou étnicas;
b) qualquer forma de assimilação ou integração forçadas;
c) perda de suas terras, territórios ou recursos;
d) imposição de outras culturas ou formas de vida;
e) qualquer propaganda dirigida contra eles.
7) Os povos indígenas têm o direito de reviver e praticar sua identidade e tradições culturais, incluindo o direito de manter, desenvolver e proteger as manifestações de suas culturas, passadas, presentes e futuras, tais como os sítios e estruturas arqueológicas e históricas, objetos, desenhos, cerimônias, tecnologia e obras de arte, assim com o direito à restituição da propriedade cultural, religiosa e espiritual retiradas deles sem seu livre e informado consentimento ou em violação às suas próprias leis.
8) Os povos indígenas têm o direito de manifestar, praticar e ensinar suas próprias tradições espirituais e religiosas, costumes e cerimônias; o direito de manter, proteger e ter acesso em privacidade aos sítios religiosos e culturais; o direito ao uso e controle de objetos cerimoniais; e o direito à repartição de restos humanos.
9) Os povos indígenas têm o direito de reviver, usar, desenvolver, promover e transmitir às futuras gerações suas próprias línguas, sistemas de escrita e literatura, e designar e manter os nomes originais de comunidades, lugares e pessoas. Os Estados tomarão medidas para assegurar que os povos indígenas possam atender e serem entendidos nos procedimentos políticos, legais e administrativos, quando seja necessário, através da provisão de intérpretes ou outros meios efetivos.
10) Os povos indígenas têm o direito a todas as formas de educação, incluindo o acesso à educação em suas próprias línguas, e o direito de estabelecer e controlar seus próprios sistemas educacionais e institucionais. Os recursos serão proporcionados pelo Estado para estes propósitos.
11) Os povos indígenas têm o direito à dignidade e à diversidade de suas culturas, histórias, tradições e aspirações refletidas em todas as formas de educação e informação públicas. Os Estados tomarão medidas efetivas para eliminar os preconceitos e fomentar a tolerância, entendimento e boas relações.
12 Os povos indígenas têm o direito ao uso e acesso a todas as formas de meios massivos de comunicação em suas próprias línguas. Os Estados tomarão medidas efetivas para alcançar este fim.
13 - Os povos indígenas têm o direito a uma adequada assistência financeira e técnica, por parte dos Estados e, através da cooperação internacional, de procurar livremente seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural, e para o gozo dos direitos contidos nesta Declaração.

(Parágrafo operativo a ser numerado)
Nada nesta Declaração pode ser interpretado no sentido de implicar para qualquer Estado, grupo ou indivíduo o direito de empreender quaisquer atividades ou realizar quais. quer atos contrários à Carta das Nações Unidas ou à Declaração Internacional de Princípios de Direitos 50bre Relações Amistosas e Cooperação entre os Estados de acordo com a Carta das Nações Unidas.

Parte III
14 - Os povos indígenas têm o direito de manter sua distintiva e profunda relação com suas terras, territórios e recursos, os quais incluem o total ambiente da terra, água, ar e mar, que eles tradicionalmente ocupam ou usam de outra maneira.
15 - Os povos indígenas têm o direito coletivo e individual de possuir, controlar e usar as terras e territórios que eles têm ocupado tradicionalmente ou usado de outra maneira. Isto inclui o direito ao pleno reconhecimento de suas próprias leis e costumes, sistemas de posse da terra e instituições para o manejo de recursos, e o direito a medidas estatais efetivas para prevenir qualquer interferência ou abuso destes direitos.
16 - Os povos indígenas têm o direito à restituição, e na medida em que isto não seja possível, a uma justa ou equitativa compensação pelas terras e territórios que hajam sido confiscados, ocupados, usados ou sofrido danos sem seu livre e informado consentimento. A menos que se acorde livremente outra coisa pelos povos envolvidos, a compensação tomará preferivelmente a forma de terras e territórios de qualidade, quantidade e status legal pelo menos iguais àqueles que foram perdidos.
17 - Os povos indígenas têm o direito à proteção de seu ambiente e à produtividade de suas terra e territórios, e o direito à assistência adequada, incluindo a cooperação internacional para este fim. A menos que outra coisa seja acordada livremente pelos envolvidos, as atividades militares e o armazenamento ou depósito e de materiais perigosos não poderão ser feitos em suas terras e territórios.
18 - Os povos indígenas têm o direito a medidas especiais de proteção, como propriedade intelectual, de suas manifestações culturais tradicionais, como a literatura, desenhou, artes visuais e representativas, cultos, conhecimentos médicos e conhecimento das propriedades úteis da fauna e da flora.

(Parágrafo operativo a ser numerado)
Nenhum dos povos indígenas poderá, em nenhum caso, ser privado de seus meios de subsistência.

Parágrafos operativos revisados pelo Presidente/ informante:
Parte IV
18 - "O direito de manter e desenvolver, dentro de suas áreas de terras e outros territórios, suas estruturas econômicas, instituições e modos de vida tradicionais, de ter asseguradas suas estruturas econômicas e modos de vida tradicionais, de ter assegurado o desfrute de seus próprios meios de subsistência tradicionais, e de dedicar-se livremente às suas atividades econômicas tradicionais e outras, incluindo a caça, pesca de água doce e salgada, pastoreiro, coleta, corte de árvores e cultivos, sem discriminação adversa. Em nenhum caso pode um povo indígena ser privado de seus meios de subsistência. Eles têm o direito a uma justa e equitativa compensação pelos bens de que foram privados".
19 - "O direito a medidas estatais especiais para a melhoria imediata, efetiva e continua de suas condições sociais e econômicas, com seu consentimento, que reflitam suas próprias prioridades".
20 - "O direito de determinar, planejar e implementar todos os programas de saúde, moradia e outros programas sociais e econômicos que os afetem e, na medida do possível, desenvolver, planejar e implementar tais programas através de suas próprias instituições".

Parte V
21 - "O direito de participar em pé de igualdade com todos os outros cidadãos e, sem discriminação adversa, na vida política, econômica, social e cultural do Estado, e de ter seu caráter específico devidamente refletido no sistema legal e nas instituições políticas, sócio - econômicas e culturais, incluindo, em particular, uma adequada consideração e reconhecimento das leis e costumes indígenas".
22 - "O direito de participar plenamente nas instituições do Estado, através de representantes eleitos por eles mesmos, na tomada de decisões e na implementação de todos os assuntos nacionais e internacionais que possam afetar seus direitos, vida e destino".
"(b) O direito dos povos indígenas de participar, através de procedimentos apropriados, determinados em conjunto com eles, na concepção de leis ou medidas administrativas que possam afetá-los diretamente, e de obter seu livre consentimento através da implementação de tais medidas. Os Estados têm o dever de garantir, o pleno exercício desses direitos".
23 - "O direito coletivo à autonomia em questões relativas a seus próprios assuntos internos e locais, incluindo a educação, informação, meios de divulgação, cultura, religião, saúde, moradia, bem-estar social, atividades econômicas e administrativas de terras e recursos e o meio ambiente, assim como gravames impositivos internos para financiar estas funções autônomas".
24 – "O direito de decidir sobre as estruturas de suas instituições autônomas, seleção dos membros de tais instituições de acordo com seus próprios procedimentos, e determinar os membros dos povos envolvidos para estes propósitos; os Estados têm o dever, onde assim o queiram os povos envolvidos, de reconhecer tais instituições e seus membros, através dos sistemas legais e instituições políticas do Estado".
25 - "O direito de determinar as responsabilidades dos indivíduos com suas próprias comunidades, coerentes com os direitos humanos e liberdades fundamentais universalmente reconhecidos".
26 - "O direito de manter e desenvolver contatos, relações e cooperações tradicionais, incluindo intercâmbio cultural, social e comercial, com seus próprios parentes e amigos, através das fronteiras estatais e a obrigação de o Estado adotar medidas para facilitar tais contatos".
27 "O direito de exigir que os Estados cumpram os tratados e outros acordos concluídos com os povos indígenas, e de submeter qualquer disputa que possa surgir nesta matéria a instâncias competentes, nacionais ou internacionais".

Parte VI
28 - "O direito coletivo e individual de acesso e pronta decisão a procedimentos justos e mutuamente aceitáveis para resolver conflitos ou disputas e qualquer infração, pública ou privada, entre os Estados e os povos, grupos ou indivíduos indígenas. Estes procedimentos deveriam incluir, como for apropriado, negociações, mediação, arbitragem, cortes nacionais e revisão e mecanismos de apelação sobre direitos humanos, regionais e internacionais".

Parte VII
29 - "Estes direitos constituem as normas mínimas para a sobrevivência e o bem-estar dos povos indígenas do mundo".
30 - "Nada desta Declaração pode ser interpretado no sentido de implicar para qualquer Estado, grupo ou indivíduos, o direito de empreender qualquer atividade ou realizar qualquer ato destinado à destruição de qualquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos".






terça-feira, 23 de abril de 2013

VIDA DE ESTRANGEIRO!


Sair de seu lugar origem, de seu mundo e viver num lugar de características absolutamente diferentes, embora se esteja em um mesmo país, é como se estivesse vivendo em um país estrangeiro. Não é fácil. E é natural que a adaptação seja difícil por se estar longe dos seus. Saber que é preciso percorrer um longo caminho para ter o olhar e o abraço de quem se ama, acaba se tornando o elemento de maior motivação.
Mudam-se os costumes, as rotinas, os destinos, as vontades. Muda-se de vida por completo. De início a adaptação é bem difícil, depois vem naturalmente o deslumbramento. Começa-se por explorar o novo, o diferente. Conhece-se gentes e lugares interessantes. Experimenta-se comidas estranhas com sabor carregado de condimentos, e outras tantas exóticas no sabor e na aparência. Descobre-se coisas inimagináveis, como o uso das novas tecnologias, que aproximam distâncias e integram todos na mesma aldeia global. Depois vem a rotina, acelerada e intensa, mas rotineira. Uma rotina em que muita coisa falta, em que a aprendizagem é solitária e a aceitação do eu é inevitável.
Às vezes, pergunto-me como a minha vida pôde mudar tanto exteriormente e como eu continuo interiormente o mesmo, pois continuo inabalável quanto aos meus propósitos e confiante quanto ao futuro. Mas, bem sei que muito de mim mudou tanto que não consigo dimensionar o quanto. O mais importante foi realmente poder estar comigo, poder conhecer-me melhor, e aceitar-me como sou, sendo etnicamente diferente, e compreendendo-me como um ser pensante que possui individualidade própria e única. E isso é um exercício constante, longe de tudo e de todos. É aquilo a que chamo solidão saudável.
Entretanto, também sinto uma necessidade enorme de partilhar meus sentimentos e posições quanto a essa desenfreada peleja a que chamamos, vida. Pois quando se vive solitariamente, acaba-se pensando muito em si mesmo. E acaba-se descobrindo que a preocupação consigo só faz sentido quando existe a interação com o outro, com o diferente.
Milhões de pessoas circulam a nossa volta, mas ninguém se conhece. Existe uma desconfiança generalizada, o que produz um recrudescimento do egoísmo e do orgulho evidentes. Ninguém parece se preocupar com ninguém. Ninguém sente dó de ninguém. É como se tivesse sido queimada rudemente a flor da crença nos bons costumes e da prática da caridade, pois se percebe total indiferença quanto ao bem estar alheio.
Mas é o sentimento pela alegria de viver e de ajudar ao próximo que nos faz crescer espiritualmente. É esse sentimento que nos dá a imensa vontade de vencer e alcançar nossos propósitos, sobretudo os mais nobres. E é nesse intento de nutrir os sentimentos mais elevados que posso dizer que me sinto feliz, mesmo num lugar tão distante de casa, porque somos capazes de construir a realidade de acordo com nossas decisões e boa vontade em servir. Decidamos, então, pelo melhor, porque a decisão é sempre certa quando começada no alto, quando vinda do alto, quando aprovada por Deus.


Luar




domingo, 21 de abril de 2013

DIREITOS INDÍGENAS



Desde que os colonizadores europeus chegaram ao Brasil, nunca houve de fato uma conquista sobre os primeiros habitantes, aqui encontrados, como no caso das Américas Central, Norte e no restante do continente Sul Americano, mas, sim, inúmeras alianças com as lideranças indígenas para a possibilidade de permanência desses colonizadores nas terras brasileiras.

O entendimento de que os povos originários existentes no território brasileiro, por sua peculiar situação de possuírem língua própria, crenças próprias e cultura de acordo com seus costumes mais tradicionais, são merecedores de tratamento diferenciado, já podia ser notado, a partir da promulgação da Carta Régia de 10 de setembro de 1611, por Felipe III, que pode ser considerada como um marco histórico no que se refere a leis que tratam especificamente sobre direitos indígenas, muito embora tratando especificamente de questões relativas à ocupação da terra, ou seja, declarava a posse da terra aos indígenas e dispunha sobre sua condição civil, ressaltando que não poderiam ser escravizados, conforme se pode depreender do seguinte trecho:

E para que os ditos Gentios, que assim decerem, e os mais, que há de presente, melhor se conservem nas Aldeias: hey por bem que senhores de suas fazendas, como o são no Sertão, sem lhe poderem ser tomadas, nem sobre ellas se lhe fazer moléstia. E o Governador com parecer dos ditos Religiosos assinará aos que descerem do Sertão, lugares convenientes para neles lavrarem, e cultivarem, e não poderão ser  mudados dos ditos lugares contra sua vontade, nem serão obrigados a pagar foro, ou tributo algum das ditas terras, que ainda estejão dadas em Sesmarias e pessoas particulares, porque na concessão destas se reserva sempre o prejuízo de terceiro, e muito mais se entende, e quero que se entenda ser reservado o prejuízo, e direito dos Índios, primários e naturais senhores delas. . (CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Legislação Indigenista do Século XIX. SÃO PAULO: EDUSP e Comissão Pró-Índio de São Paulo, 1993. v. 11.)

            Tem-se na Carta Régia de 10 de setembro de 1611, promulgada por Felipe III, por ser um texto legal, o início do Instituto do Indigenato, no Brasil, muito embora tratando apenas sobre direitos relativos à terra já ocupada pelos indígenas, porquanto o Alvará de 1º de abril de 1680, confirmado pela Lei de 6 de junho de 1755, confirmou o princípio de que, nas terras outorgadas a particulares, seria sempre reservado o “direito dos índios, primários e naturais senhores dellas”, ou seja, de suas terras.

Já nos primeiros tempos da Colônia, quando o governo lusitano declarava, expressamente, pela Carta Régia de 9 de março de 1718, que os indígenas: “são livres e izentos de minha jurisdição, que os não pode obrigar a sahirem das suas terras, para tomarem um modo de vida de que elles se não agradarão...”. Ou seja, já havia o entendimento jurídico de que os indígenas seriam isentos de qualquer tipo de tributação, de que poderiam gozar livremente da posse das terras em que habitavam e lhes era reconhecido o direito à autodeterminação, ou seja, o direito à autodeterminação consiste no fato de que nos moldes do texto legal, da Carta Régia de 9 de março de 1718, era concedido aos indígenas o direito a viverem de acordo com o modo de vida, que já estavam acostumados. Assim, pode-se perceber que, mesmo tratando apenas de questões pontuais e genéricas relativas à posse da terra e ao modo de vida, já havia o entendimento jurídico de que os indígenas são merecedores de tratamento diferenciado pela sua peculiar condição natural.
O atual estado de preservação das culturas e línguas indígenas é consequência direta da história do contato com os europeus que aqui chegaram e impuseram seus costumes e suas leis, formando a sociedade majoritária deste imenso território brasileiro, a partir de 1500.
            

          Luar


sábado, 20 de abril de 2013

O PRECONCEITO



O preconceito é uma praga que se alastra nas sociedades e vai deixando um rastro de prejuízos, muitas vezes imensuráveis, tanto físicos como morais.
O preconceito de raça tem feito suas vítimas, ao longo da história da humanidade. Mas não é somente o preconceito racial que tem sido causa de infelicidade, esse malfeitor também aparece disfarçado sob outras formas para ferir e infelicitar.
Por vezes, surge como defensor da religião, espalhando a discórdia e a maldade, o separatismo e os ódios sem precedentes. Outras vezes, apresenta-se em nome da preservação da raça, gerando abismos intransponíveis entre os filhos de Deus.
Também costuma travestir-se de muro entre as classes sociais, fortalecendo o egoísmo, o orgulho, a inveja e o despeito. Podemos percebê-lo, ainda, agindo como barreira entre a inteligência e a ignorância, disfarçado de sabedoria, impedindo que o mais esclarecido estenda a mão ao menos instruído.
O preconceito também costuma aparecer travestido de patriotismo, criando a falsa expectativa de supremacia nas mentes contaminadas pela soberba. Ele também pode ser percebido com aparência de idealismo político, explorando mentes juvenis inexperientes e sonhadoras, que são usadas como massa de manobra.
Como se pode perceber, o preconceito é um inimigo público que deveria ser combatido como se combate uma epidemia. Essa chaga social tem emperrado as rodas do progresso e da paz. Por essa razão, vale empreender esforços para detectar sua ação, sob disfarces variados, e impedir sua investida infeliz.
Começando por mim mesmo, fazendo uma autoanálise para verificar se o preconceito não está instalado em meu modo de ver e de sentir e perceber o mundo que me cerca, comandando minhas atitudes diárias.
Depois, extirpar de uma vez por todas esse mal que teima em me impedir de viver a solidariedade e a fraternidade sem limites, juntamente com meus irmãos, independentemente de cor de pele ou origem étnica, assim como propôs aquele, que ficou conhecido como o precursor dos direitos humanos, o Mestre de Nazaré.

Luar



MORAR NO MATO





Quando se fala: “Estou cansado da cidade quero ir pro mato...”, percebe-se claramente que o autor inicia seu discurso, mostrando sua ojeriza pela vida urbana e seu desejo por levar uma vida simples, e refere-se à simplicidade com a expressão destacada. Ele não percebe e muitos outros também não como essa expressão traduz uma pobreza linguística tamanha!
Não sei precisar à quê ele se refere exatamente, mas não tenho apenas como “mato” todo o universo de representações simbólicas que traduz a vida na floresta. Parece que ser alguém a imaginar uma vida regada de costumes urbanos no rural. Ledo engano!
A vida na floresta é cheia de muitas surpresas e, por isso, a peleja é difícil. Requer daquele que se dispõe a manipular o poder dos elementares, a fim de retirar da natureza tudo aquilo de que necessita para si e para os seus, muita interação com os espíritos que ali habitam, ou seja, requer conhecimento que só pode ser adquirido com a experiência e a troca de energia com os elementares ali existentes e, por isso, nem sempre é bem sucedida.
As mais das vezes, o que vem ocorrendo é que a leitura dos fenômenos naturais é feita com o olhar totalmente formado por valores de uma sociedade judaico-cristã, incapaz de compreender que entre o céu e a terra existem muito mais mistérios, que a sua vã filosofia possa imaginar. E como não se pode encher um copo que já se encontra cheio, deixam de perceber a numerosa diversidade de energia com a qual têm contato. Daí o tom simplista que dão à vida na floresta com: “mato”.
Apenas isso!

Luar



O RITUAL DA TUCANDEIRA



No meio da floresta Amazônica, há muito vive o povo guerreiro, Sateré Mawé, conhecido como “Os Filhos do Guaraná”, o qual chamamos Çapó, em nossa língua Sateré MawéSateré, significa lagarta de fogo e Mawé, papagaio inteligente, curioso e falante. Nosso povo apresenta uma organização social e cultural bem definida, preservando nossa língua e rituais, apesar de já haver três séculos de contato com a sociedade majoritária.
Infelizmente, o contato com os brancos e as guerras com outros povos indígenas, como os Mudurucu e os Parintintin, têm feito com que nosso território ancestral venha a ser reduzido à reserva, hoje demarcada.
Recebemos de nossos ancestrais as técnicas de cultivo e uso do Çapó, que está profundamente relacionado com nossos costumes mais tradicionais, e cuja representação simbólica atribuímos vários significados.
Entre tantos rituais, há um que claramente se destaca. É o Ritual daTucandeira, que acontece desde o início dos tempos, quando Sahú-Watô, gerou o primeiro trovão. Conforme nossos costumes, todo guerreiro deve passar por esta prova, que exige muita coragem, resistência e superação de seus limites, deixando-nos imunes a inúmeras doenças e fortalecendo nosso corpo e espírito, pois consiste em colocar as mãos dentro da luva Saaripé, feita de palha e enfeitada com penas de arara e gavião, e ser picado por centenas de formigas furiosas, as terríveis Tucandeiras!
No dia do Ritual da Tucandeira, todos se levantam cedo para os preparativos dos festejos. Todos se pintam pra Grande Festa, que vai acontecer na noite de luar. Os homens preparam o terreiro e buscam pedaços de galhos de árvores para montar a fogueira e assar os peixes e outras iguarias. As mulheres sempre preocupadas com a decoração enfeitam o terreiro com muitos frutos coloridos coletados na floresta, sempre nervosas com os Curumins que não param de correr. Os jovens guerreiros preparam o Jenipapo para pintarem os braços e suas mães, com um dente de paca, começam a riscar a pele dos braços até quase sangrarem, braços e mãos que, logo mais, irão ser calçados pelas luvas Saaripé, cheias de centenas de Tucandeiras.
As Tucandeiras são formigas grandes com um ferrão muito poderoso, porque são consideradas um dos insetos que causam maior dor ao homem. Uma picada só destas formigas é comparada à picada de um escorpião, tamanha a dor que causa. O Ritual pode ser entendido, também, como medida profilática, pois as ferroadas são consideradas como uma espécie de vacina e contribuem para o fortalecimento do corpo. Elas são capturadas vivas e conservadas num bambu, na véspera do Ritual. São colocadas numa taça com tintura de folha de cajueiro, que tem um efeito anestesiante. E, meio adormecidas, são colocadas nas luvas Saaripé, com a cabeça para fora e o ferrão para dentro. Afinal, trata-se de um Ritual de Passagem, que confere ao participante o título de Guerreiro.
À luz da fogueira e do luar, uma cuia com Çapó circula pelo terreiro, enquanto alguns ainda se pintam com Jenipapo e, ao som do ribumbar dos tambores, é o chefe da tribo que decide o tempo da cerimônia e calça a luva Saaripé, que chega até ao antebraço nas mãos dos participantes. Estes, sendo acompanhados na dança rítmica por seus pares, são imediatamente picados pelas formigas, até o momento em que o chefe tem certeza de que os jovens guerreiros cumpriram a prova, demonstrando toda a sua fé, força e coragem.
Depois, sentindo uma dor imensa, o jovem guerreiro é entregue aos curandeiros e aos seus pares. A coreografia se repete para cada um dos participantes - Com as mãos dentro das luvas Saaripé, o jovem guerreiro dança e canta ladeado por seus companheiros de rito e outras pessoas da tribo, inclusive mulheres e crianças, num movimento lateral.
Ao término de cada iniciação, o ferroado estende as mãos, já inchadas, às Cunhãs púberes, as únicas que podem lhe tocar, para uma espécie de massagem e, assim, amenizar o efeito da toxina, que lhe causa uma dor, que está apenas começando e que irá durar por quase 24 horas. Ele receberá o carinho e os cuidados da Cunhã que lhe escolher durante todo esse tempo, sentindo dor e prazer e, as mais das vezes, dessa relação de carinho, cuidado e intimidades é que se formam os casais. E, assim, a vida continua...!

Luar



A LENDA DO TACACÁ


Há muito, muito tempo, Jacy (Lua) e Iassytatassú (Estrela d'alva), combinaram-se de visitar o centro da Terra. E, assim, quando foram atravessar o abismo, Caninana Tyiiba picou a face de Jacy. Jacy, sofrendo a dor da picada da Caninana, derramou suas lágrimas sobre uma plantação de Mandioca. Depois disso, o rosto de Jacy ficou marcado para sempre pelas picadas da Caninana. O que a fez chorar muito. E, foi a partir das copiosas lágrimas de Jacy, regando a plantação de Mandioca, que surgiu o tycupy (Tucupi).
O Tucupi é um líquido de cor amarelada extraído da raiz da mandioca brava. Seu preparo (ralada e espremida), guarda a forma artesanal cultivada até hoje. Deve ser cozido demoradamente antes de ser consumido, pois cru é venenoso. Ao ser fervido, deverá ser temperado com: sal, alho chicória, alfavaca e pimenta de cheiro. Oferece sabor inconfundível aos pratos com ele preparado, como o tacacá, que leva Goma, Jambu e Pimenta de Cheiro.
Goma é o amido de mandioca que fica decantado no fundo da vasilha em que se deixa o líquido extraído da mandioca para se retirar o Tucupi. O processo de produção da goma e sua utilização na culinária também são de origem indígena.
Jambu é uma planta rasteira, companheira inseparável do Tucupi. Suas folhas, quando mastigadas, provocam uma sensação de leve tremores nos lábios e, talvez por isso, muitos o apontem como afrodisíaco. Antes de ser acrescentado nos diversos pratos em que é usado, deve ser ligeiramente aferventado em água com pouco sal.
Dentre a inúmera variedade de plantas regionais da floresta Amazônica, a Pimenta de cheiro se destaca pelo perfume marcante e agradável e por sua cor ver-amarelada e brilhante. Tem formato de uma bolinha e é autêntica marca registrada da cozinha amazonense.
Tacacá é uma especialidade da culinária Amazônica. Servido numa cuia natural, o Tucupi fervente é derramado sobre a Goma feita da farinha de tapioca. Acrescenta-se uma porção generosa das folhas de Jambu e camarão seco completa o prato.
O Tacacá não é considerado uma refeição. É uma espécie de bebida ou sopa, servida em cuias e vendida pelas "tacacazeiras", geralmente ao entardecer, na esquina das principais ruas das cidades do interior do Amazonas.
Na hora de servir são misturados, na cuia: Tucupi, Goma de tapioca cozida, Jambu, camarão seco e pimenta de cheiro a gosto.

Luar



PINTURA CORPORAL


                   Em nosso país, nós, indígenas, estamos presentes em todas as regiões, muito embora, cada povo com características bem peculiares, com sua história e cultura diferente. E é, por isso, que nossa maior riqueza é o elemento humano.
     Dentre as diversas formas de mostrarmos nossa cultura, a mais marcante e caracterizadora é, sem sombra de dúvida, a pintura corporal. Sempre estamos pintados e, talvez por isso, as pinturas corporais sejam nossos traços culturais mais conhecidos.
         Utilizamos a pintura corporal como meio de expressão ligado às diversas manifestações culturais de nossa sociedade, conforme nossos costumes mais tradicionais. Para cada situação ou evento específico, há uma pintura específica, oportunidade em que podemos utilizar algumas plumagens - Seja para luta, seja para caça, seja para a pesca, para o casamento ou em razão da passagem de algum parente para o Noçokem (mundo espiritual), entre tantos outros. É também utilizada para despertar o interesse do sexo oposto - É lógico. Por conta disso, todo ritual é retratado nos nossos corpos na forma de pintura corporal, que é a nossa expressão artística mais intensa e marcante.
          São as mulheres que, desde muito cedo, enfeitam seus filhos e preparam os colares, os cintos, as pulseiras e todos os enfeites de penas coloridas. A busca da representação simbólica encontra-se na fauna e na flora sempre presentes, e pode ser notada naturalmente nas formas abstratas e geométricas, transformando-se em ricas significações simbólicas.
       São utilizadas basicamente quatro cores: o preto-azulado do Jenipapo, o vermelho do Urucum, o preto do carvão e o branco do barro chamado Tabatinga. A cor preta-azulada é usada especificamente para produzir gráficos e formas geométricas, as mais das vezes associados a animais. O vermelho do Urucum é aplicado misturado com óleo de Pequi e imediatamente fixado na testa e em partes do rosto ou no rosto inteiro. Pode-se, também, ressaltar o desenho feito com Jenipapo com uma coloração avermelhada, a fim de dar destaque, fixando na pele por até duas semanas.
         O Jenipapo deve ser colhido verde, pois desta forma sua polpa é mais rala. Mistura-se então, água à massa resultante da polpa de Jenipapo. Em seguida, com um pano, torce-se bem a mistura até recolher todo o caldo. Coloca-se em uma panela para aquecer e quando começar a fazer espuma, a tinta está pronta.
         O carvão, retirado de madeiras queimadas nas fogueiras, é usado na maquiagem facial, e para tanto utiliza-se uma tala de Bunti. O traço é cuidadosamente feito, existindo inúmeras maneiras de se fazer as pinturas faciais.
        A pintura corporal é mais que uma mera característica de manifestação cultural indígena, é certamente parte integrante da formação da maioria das sociedades e uma clara e evidente característica da nossa humanidade.


Luar



quarta-feira, 17 de abril de 2013

O DIA 19 DE ABRIL


       Quando os portugueses desembarcaram na costa brasileira, em 1500, na região que viria a ser o estado da Bahia, todo o território brasileiro já era muito povoado. A população indígena, conforme apontam dados da Arqueologia, Paleontologia, Geologia, Antropologia e outras, estava espalhada em tribos e culturas distintas, numa estimativa de mais de oito milhões de pessoas, divididas em mais de sete mil diferentes etnias, ou seja, tinha mais gente aqui do que em Portugal, França e Espanha juntos.
Desde estão, muita coisa mudou. E em 1940, aconteceu o primeiro Congresso Indigenista Interamericano, no México. O evento quase fracassou, pois as muitas perseguições às populações tradicionais, o desconhecimento e, portanto, o despreparo para lidar com os povos autóctones geraram tanto preconceito, que muitos indígenas resolveram não participar. Porém, no dia 19 de abril do mesmo ano, as lideranças indígenas que resistiram, apresentaram-se para discutir seus direitos, tornando o encontro tão marcante, que se transformou no que ficou conhecido como o “Dia do Índio”, que hoje comemoramos também no Brasil.
Espalhados por todo o Brasil, os povos indígenas têm fundamental importância na história e na cultura do nosso país, muito embora tenha havido muitas perseguições, violência, desrespeito, agressões e um legado de preconceito, até hoje experimentado por nossoutros.
Atualmente existem muitas pessoas e instituições dedicadas à preservação dos povos indígenas, de suas terras e de suas manifestações culturais. Em muitas escolas, os alunos são levados a passeios ou recebem visita de representantes indígenas. Os Museus fazem exposições e diversos municípios organizam festas comemorativas e realizam feiras com exposição de artesanato e amostras de nossa fantástica cultura, para a comemoração do dia 19 de abril.
O fascínio talvez seja em decorrência de que preservamos nossas crenças, nossas lendas, nossos costumes e tradições de respeito ao próximo e aos mais velhos, e acreditamos que fazemos parte de um todo, estando em contínuo processo de evolução. Entretanto, por mais que sejamos povos tradicionais, muitas comunidades indígenas, pela aproximação dos centros urbanos, estão se adaptando inexoravelmente ao mundo contemporâneo, inclusive recebendo as novas tecnologias de comunicação, aproximando distâncias e mostrando que todos pertencemos à mesma aldeia global. Salvo os isolados e os povos amazônicos, que por sua peculiar situação de distanciamento dos centros urbanos, ainda vivenciam o universo equilibrado por Sahú-Watô.
Passamos por vários períodos políticos de dominação, desde os tempos da Colonização, até ao reconhecimento constitucional de direitos específicos às populações tradicionais, respeitando nossa organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, bem como o reconhecimento do direito à alteridade, ou seja, o reconhecimento de que a cultura dos não indígenas não é a única forma de cultura válida neste país.
O direito à diferença, previsto no art. 231, da atual Constituição, explicita que a nós, indígenas, não podem ser negados direitos deferidos aos demais cidadãos brasileiros. O Instituto assegura a todas as populações tradicionais e autóctones do nosso querido e amado Estado brasileiro os diversos direitos decorrentes de nossa peculiar situação.
Mas..., ainda há muito para ser conquistado, a fim de que possamos construir uma sociedade verdadeiramente livre de preconceitos, socialmente justa e igualitária, digna deste país, que traz a pluralidade étnica de seu povo como sua maior característica cultural.


        Luar






A LENDA DO PIRARUCU



Há muito, muito tempo, desde as primeiras Canções, havia um bravo guerreiro muito orgulhoso, que vivia pintado de Urucum. Ele possuía alguns conhecimentos sobre como manipular o poder dos elementares e, por isso, era muito vaidoso, egoísta e sentia muito orgulho de seu poder. Seu nome era Urucum, que significa vermelho.
Urucum possuía um espírito muito soberbo e orgulhoso e, por isso, não atendia os conselhos que recebia dos mais idosos da tribo. Achava aqueles conselhos que recebia sobre ajudar os mais fracos e necessitados que encontrasse pelo caminho sem sentido. Cheio de muitas vontades e se mostrando o tempo todo autossuficiente, não demorou para conseguir aliados, que pensavam como ele - jovens desregrados e cegos pelo orgulho e pelo egoísmo - promovendo conflitos e desarmonia na tribo. Logo, Urucum e os seus afins receberam a pena de banimento, tendo de sobreviver na floresta adentro, fora do convívio tribal.
Urucum e os seus, por onde passavam, subjugavam violentamente os parentes mais fracos, chegando até a escravizá-los, causando um rastro de destruição e fomentando um sentimento de dor, tristeza, desgosto e indignação. Logo, reuniram-se os maiores Pajés da região e foi realizado um grande Ritual de Acerto - sob a luz do luar -, a fim de resolver aquela preocupante situação que estava a ameaçar a PAZ na floresta.
Assim, o Poder dos Elementares reagiu, provocando uma incrível formação tempestuosa, como há muito não se via, cobrindo o céu de um cinzento escuro e um forte vento chacoalhava as árvores da floresta, seguido de ruidosa trovoada com raios que riscavam o céu de ponta a ponta, espalhando o temor por toda a floresta.
Urucum, que estava pescando na beira do Igarapé juntamente com os seus, quando percebeu que o Poder dos Elementares estava a se manifestar de forma incontestável, tentou se esconder, mas não tinha pra onde fugir, mesmo assim, com seu coração endurecido, tentou correr pra dentro da floresta, mas enquanto ele corria um relâmpago fulminante acertou uma árvore próxima de Urucum, caindo em cima de sua cabeça. O corpo de Urucum foi levado pela enxurrada, com a cabeça achatada e afundou no Igarapé. Todos aqueles que estavam com Urucum vendo o que aconteceu, ficaram horrorizados e fugiram correndo espavoridos pro meio da floresta.
Como Urucum possuía o conhecimento do poder dos elementares e saqueou muitas aldeias, deixando muitos famintos, foi providenciado que ele resgataria seus maus feitos, vindo na forma de um grande e saboroso peixe avermelhado de grandes escamas e de cabeça chata. Como Pira significa peixe, passou a se chamar Pirarucu, que significa peixe vermelho.
E é este o peixe Pirarucu que habita os rios da Amazônia.


Luar