sábado, 4 de maio de 2013

LEVE-ME COM VOCÊ


Leve-me com você.
Tome-me em suas mãos.
Faça-me voar para terras distantes, sobre campos verdes, árvores e montanhas, por sobre flores e fontes de águas.
Tire-me deste quarto escuro e solitário, dessa projeção de uma sombra lançada na escuridão.
Segure minha mão e voemos juntos para longe, em direção ao horizonte em direção aos sonhos, tendo nos meus olhos o espelho de todo o mundo exterior até o momento do alvorecer.
Deixe-me acordar de manhã com o cheiro de folhas molhadas, caídas no chão da floresta.
Para rir e chorar,
Viver e correr.
No brilho do meu dia, quero ouvir o canto dos pássaros, o grito dos bugios, sempre em bando, aprontando as suas e o doce e melodioso som que vem do banzeiro do rio.
Mas acima de tudo, por favor! Livre-me desta dolorosa prisão bacteriológica!
Liberte-me desta prisão em direção ao sol.


quinta-feira, 2 de maio de 2013

O CAÇADOR


      Passada a euforia, eis que as coisas começam a normalizar. A minha situação real, no que se refere à subsistência, aqui nesta cidade, é a de um caçador que se lança na mata a fim de conseguir algum alimento, sem saber o tempo de que disporá para consegui-lo. Assim, deve estar preparado para passar por grandes períodos de restrição alimentar. Contudo, conta com a inabalável esperança de poder resistir o suficiente até alcançar seu objetivo.
Semelhantemente, tenho procedido. Meu maior desejo sempre foi o de conseguir uma situação acadêmica estável, que pudesse me facilitar a formação profissional, pois como bolsista da Educafro na Faculdade Zumbi dos Palmares, minha situação não poderia ser mais instável e insegura. Para tanto, tenho priorizado minha preparação para o ENEM e para o vestibular da PUC-SP, mesmo que em detrimento de minha própria subsistência. Mas, enfim, tenho motivos de sobra pra comemorar as conquistas que se sucedem aos percalços.
Depois que saí do hotel, onde trabalhava como cozinheiro, minha situação financeira ficou restrita à indenização recebida. Não tive mais proventos. Logo, eu já não dispunha mais de recursos pra sequer me alimentar. Surgiram muitos convites pra trabalhar tanto como cozinheiro, quanto como garçom. Mas, eu estava participando de um processo seletivo pra estágio na Faculdade Zumbi dos Palmares. Houve uma semana de treinamento. Era o dia inteiro. Pra mim, a única vantagem era que no treinamento se podia almoçar com todos os participantes. Esse era realmente o melhor momento. Estava sempre mais preocupado com o que tinha pra estudar principalmente com os estudos preparatórios para o Exame Nacional de Ensino Médio - ENEM. Sabia que a minha situação de aluno da Faculdade Zumbi do Palmares, considerando se tratar de uma instituição privada, dependia da Educafro, mantenedora da minha bolsa de estudos, que, por sua vez, não pretendia renovar minha condição de bolsista, já me tendo imposto pesadas multas por não ter conseguido formar um núcleo eminentemente indígena aqui em São Paulo, com o nome da Educafro, ou seja, essa foi a condição imposta pelo Frei David, criador da instituição. Por isso, eu sabia que precisava aprovar na PUC. Vivia todos os dias na esperança de receber a notícia da minha aprovação.
Terminada a prova do vestibular, restou-me tratar de conseguir arrumar algum recurso extra. Aceitei o convite pra trabalhar de garçom. O local foi o esporte clube Sírio Libanês, na rua: Indianópolis, em São Judas. O clube foi escolhido por várias empresas para a realização da festa de confraternização de final de ano. Chegava à Zumbi, onde desenvolvia atividades preparatórias para a seletiva de estágio, chegando às 13 horas e saindo às 17, tendo que chegar ao Sírio, às 18 horas, onde ficava trabalhando até às 4 horas do dia seguinte. Chegava a minha casa, às 6 da manhã. Só conseguia deitar e dormir. Acordava lá pelo meio dia já apressado para ir trabalhar (no estágio). Não almoçava porque não tinha como. O pagamento do estágio só aconteceria lá pelo dia 8 de janeiro, e o pagamento do trabalho no Sírio só no final do ano. Então imagina o sufoco! Quando caía alguma caixinha, podia almoçar no Bom Prato – Santo Bom Prato! – quando não caía caixinha, tinha de esperar comer alguma coisa no Sírio, e só à noite. E assim os dias se passavam, sem muita novidade. Sabia que minha pontuação no vestibular não tinha sido muito boa, mas restava-me um tênue fio de esperança. Intuitivamente, como um caçador, esperava por coisas melhores.
Até que o dia 21 de dezembro chegou. Era o dia anunciado para a divulgação do resultado do vestibular. Nesse dia, eu não tinha absolutamente nenhum resíduo de caixinha alguma. Não sabia como seria ou o que deveria fazer, mas sabia que tinha de levantar e continuar nessa inexorável realidade, nessa peleja, nessa infreme e desenfreada peleja a que todos chamam vida. Seguia, alheio a tudo e de cabeça erguida, tendo apenas como referência os pássaros. Pois acreditamos, por nossa vez, que mais sábios que os homens são os pássaros, porque eles enfrentam as tempestades noturnas; caem dos seus ninhos; sofrem perdas; têm suas histórias dilaceradas. Pela manhã teriam todos os motivos para se entristecer e reclamar, mas cantam! Alegremente a Deus! Agradecendo profundamente por mais um dia!
Acontece que, para minha grata surpresa e perplexidade, o telefone tocou. Era a voz angelical desse amigo, tal como é citado lá em Provérbios, segundo Salomão, “Quem encontra um amigo, encontra um tesouro.”, o profº Benedito Prezia, anunciando a melhor das notícias, melhor que qualquer coisa que eu pudesse imaginar que poderia obter naquele momento. Era a notícia da minha aprovação no vestibular para o tão importante e tradicional curso de Direito da PUC-SP. Não poderia me acontecer nada melhor naquele momento. Quando eu pensei estar esquecido por tudo e por todos, eis que ele surge como sendo o arauto da Divina Claridade, tecendo-me a felicidade em sorrisos de esplendor. Nossa! Eu quase não podia caber dentro de mim de tanta felicidade! Senti vontade de sair correndo e gritar no limite do alcance de minha voz, pra que todos pudessem ouvir, a alto e bom som, que eu consegui passar pelas porosidades das dificuldades que me cercavam de todos os lados! Nada poderia me impedir de continuar participando do jogo! Agora havia sido oficializado! Eu vou receber toda a formação de que eu precise pra ser um bom operador do Direito!
No primeiro momento não sabia, e ainda não sei direito, dimensionar o que se apresenta pra mim. Sei apenas que pra ser um bom operador do Direito é necessário conhecer profundamente a realidade social, o fato social. Portanto, entendo que o curso ministrado pela PUC, pela sua tradição, vai fazer toda a diferença. Sei que continuarão a aparecer dificuldades sem conta no meu caminho, como resultante da práxis da realidade comum. Mas sou Sateré Mawé, estou acostumado a suportar dores incríveis. A dor faz parte do ritual de passagem. Sabemos que precisamos sempre continuar. Por isso sei que vou precisar de muita força de vontade. Mas sinto-me deveras motivado! Está sendo melhor do que podia imaginar.
Assim, depois de muita espera e de passar por períodos de privações, eis que se pode comemorar, considerando que todo o esforço não foi em vão e, o que é mais importante, chega-se o momento em que se pode relaxar um pouquinho, ou seja, é aquele momento, conforme nossos costumes, em que se pode desfrutar do merecido descanso, olhando para o resultado de todo o seu esforço, como caçador.

Luar