quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

A HORA É AGORA!





— Preste atenção, meu filho. Estou no final de meus dias nesta vida e os Espíritos de nossos antepassados já se encontram aqui para guiar-me na grande viagem, mas, antes, preciso revelar-lhe um segredo – diz o velho índio ao filho Ayumara, de trinta e sete anos, ao sentir que suas forças já o estão abandonando no momento derradeiro da partida.
— Diga meu pai. Responde Ayumara.
— Peço aos Espíritos que me dêem forças para que eu tenha tempo suficiente para contar-lhe tudo.
— Eu lhe darei as minhas forças – diz o filho, tomando as mãos do velho.
— O que quero lhe contar, aconteceu há muitos anos, num belo dia em que saí para caçar e embrenhei-me na Mata da Cobra.
— Na Mata da Cobra? O senhor entrou lá?
— Sim.
— Meu pai, o senhor é um bravo!
— Deixe-me contar-lhe. Entrei na mata naquele dia e caminhei muito, encontrando caça abundante. Quando já estava para retornar, vi um pássaro diferente, bastante colorido, pousado em uma árvore, por detrás de um espesso cipoal. Caminhei vagarosamente até perto dele e foi, então, que estaquei profundamente deslumbrado com o que vi um pouco mais ao longe.
— O que foi que o senhor viu?
— Percebi, logo à frente, atravessando a cortina de cipós... Eu vi... Meu filho,...  Fico emocionado...!
— Conte pai.
— Vi uma imensa e linda cachoeira, e dela bebi a mais deliciosa água que já havia experimentado. Uma água diferente sabe? Uma água leve, com um ligeiro gosto de mato. Vi, também, muitas árvores desconhecidas, com muitas frutas. Delas provei e pareceu-me sentir o sabor do mel em suas polpas.
— E por que o senhor nunca revelou isso aos outros da aldeia?
— Esse é o grande segredo, meu filho, que quero lhe revelar.
— Pois diga meu pai.
— O meu primeiro impulso, realmente, foi o de contar a todos e levá-los correndo até aquele verdadeiro paraíso, mas quando aqui cheguei à aldeia, fiquei com medo e resolvi pensar um pouco melhor.
— E por quê?
— Na época, achei melhor descobrir, antes, uma maneira de fazer essa revelação, porque tive receio de que não soubessem aproveitar bem tudo o que aquele local poderia oferecer-lhes. Além disso, tive medo, também, de passar por mentiroso, pois a maioria teme embrenhar-se naquela mata, e passei todos estes anos, usufruindo sozinho daquele lugar maravilhoso, pensando e pensando sobre uma maneira de fazê-lo participar também daquela minha felicidade. E hoje que me encontro à beira da morte, quero lhe ensinar o caminho e pedir-lhe que descubra uma maneira de revelá-lo a todos os seus irmãos.
— Farei isso, meu pai, mas conte-me onde fica esse paraíso.
O velho índio, então, com muito esforço, relata minuciosamente ao filho como chegar ao cipoal no interior da Mata da Cobra, vindo a falecer, logo em seguida.
Passado o ritual de despedida pela passagem ao mundo espiritual do velho guerreiro, Ayumara, munido de muita coragem e confiança no que o pai lhe contara, percorre o caminho ensinado e, da mesma maneira que o velho índio deleita-se com tudo o que aquele local, ainda praticamente virgem, pode oferecer.
— Realmente, meu pai tinha razão. Isto é um verdadeiro paraíso – diz para consigo mesmo, passando três dias e três noites naquela mata, desvendando e conhecendo, cada vez mais, as maravilhas que a natureza, graciosamente, ali plantara. — Mas não posso fazer como meu pai. Tenho que contar a todos os outros para que possam vir, também, usufruir tudo isto. Talvez, até nos mudarmos para cá.
Sim – continua a pensar — vou fazer isso, porém, acho que, primeiramente, devo pesquisar e conhecer melhor todos os mistérios deste lugar. Devo conhecer tudo como a palma de minha mão, para, só então, anunciar o que meu saudoso pai descobriu.
E daquele dia em diante, Ayumara, sorrateiramente, sem que ninguém perceba, realiza mais e mais incursões na Mata da Cachoeira, que foi como a batizou, a fim de descobrir novos caminhos, novas árvores, novos frutos e novos animais. Porém, o tempo passa e Ayumara envelhece, chegando também, assim como a seu pai, a hora da despedida do mundo material e pede a presença de seu filho Taiguara no intuito de contar-lhe o segredo da mata e assim o faz, rogando que ele não perca tempo com mais pesquisas e leve o povo para lá morar. Taiguara promete ao pai que fará o melhor possível para atender ao seu pedido.
— Não posso acreditar no que vejo! – exclama Taiguara ao entrar naquela mata. — Preciso contar a todos sobre este paraíso!
E, dizendo isso, volta correndo para a aldeia, visivelmente emocionado com o que vira e, principalmente, com o que ainda tem para deliciar-se, pois o velho Ayumara lhe contara todos os segredos que pudera desvendar durante todos os anos que passara na mata. Chega esbaforido e tenta reunir todos os PARENTES a fim de revelar-lhes de uma só vez aquela descoberta que somente ele conhecia. Estava muito orgulhoso disso. Tinha certeza de que seria considerado um grande guerreiro.
Porém, por mais que tentasse, não conseguia reunir a todos de uma só vez. Quando conseguia reunir um pequeno grupo, os outros se dispersavam para tratar de suas atividades. Mesmo à noite, era-lhe difícil. Decidiu, então, procurar a Tuxaua da tribo para pedir-lhe que fizesse uma reunião, dizendo-lhe que tinha uma grande revelação a fazer.
— Que revelação é essa, meu filho? – pergunta-lhe a chefe maior da tribo.
— A senhora me desculpe, mas gostaria de eu mesmo falar a todos de uma só vez – pede Taiguara, tomado de orgulho e de egoísmo, pretendendo angariar, somente para si, os louros da descoberta.
— Isso é impossível, Taiguara. A nossa tradição diz que somente a Grande Matriarca, a Tuxaua, pode falar a todos de uma só vez. Se você me contar o que sabe, farei uma análise do assunto e, aí, então, se eu achar que é do interesse de todos, eu mesma farei a comunicação.
Taiguara pensa um pouco e, temendo não ser levado a sério, meneia a cabeça negativamente. A Tuxaua ainda insiste mais uma vez, sabiamente, sugerindo-lhe:
— Se não quer contar-me, mas acha muito importante que os outros saibam, conte a alguns poucos e estes se incumbirão de repassar aos outros. O que não se pode é fazer uma grande reunião.
Taiguara agradece a atenção e sai cabisbaixo da oca da Tuxaua e até o fim de seus dias, dirige-se à Mata da Cachoeira, onde fica tentando descobrir uma forma de falar a todos e, da mesma forma, como seu pai e seu avô fizeram na hora da derradeira partida, chama o filho Aracaya e relata-lhe tudo, pedindo que descubra uma maneira de tornar público o segredo que já passara incólume por três gerações.
Aracaya, assim como o pai, fica, então, conhecendo a Mata da Cachoeira e após muitos dias de reflexão, acaba descobrindo mirabolante maneira de realizar o que o pai lhe pedira. Procurando chamar a atenção de todos, corre até a aldeia, sobe numa grande árvore e munido de um arco e de muitas flechas, começa a atirá-las a esmo sobre todos os que se aproximam daquele local, na intenção de fazer com que toda a tribo aglomere-se embaixo daquela  árvore, a fim de que possa, então, falar de uma só vez a todos, sem que tenha descumprido a lei, pois, afinal de contas, não conclamara nenhuma reunião pública.
Porém, o que acontece é que terminadas as flechas, da árvore é retirado e como costume da tribo, é amarrado pelas mãos e pelos pés num dos troncos da oca de sua mãe, permanecendo, dessa maneira, por muitos anos, sendo alimentado por uma velha índia. Ninguém mais, a partir daquele momento, dá-lhe ouvidos, já que é considerado como alguém que perdera a razão. Alguns anos se passam e Aracaya vem a falecer sem ter nenhum descendente para contar sobre os segredos da Mata da Cachoeira.
            Todos nós sabemos que possuímos duas importantes missões, tanto no plano espiritual, quanto no plano terreno: uma que é a de evoluirmos moralmente, com a grande oportunidade que o Grande Criador, nosso Pai, nos oferece, a fim de apararmos as arestas de nossa ignorância.
E a outra intrinsecamente ligada à primeira, já que, se cumprida, em muito contribuirá com ela, que é a de servir ao nosso semelhante. E isso, obviamente, podemos cumprir até nas ocupações mais simples e anônimas. Agora, imagina naquelas de cunho mais importante como repassarmos aos nossos irmãos, seja por meio de ensinamentos teóricos, seja por edificantes ensinamentos, através do exemplo prático, as lições do mais alto que já assimilamos em nossos corações.
Agora, quantas e quantas vezes, temos agido como o velho índio, seu filho Ayumara, o neto Taiguara e, finalmente, Aracaya, achando que ainda é cedo para cumprirmos com essa ou aquela missão, amparando-nos com a íntima desculpa de que não possuímos condições para tanto ou, então, que nossos irmãos necessitados não têm capacidade de assimilação, que não temos tempo ou, mesmo, o que é pior, sentirmo-nos travados pelo nosso egoísmo, pelo nosso orgulho ou imensamente aprisionados pelos prazeres e gozos materiais.
Não devemos perder nunca o nosso tempo, mesmo que seja para oferecermos um simples sorriso a um nosso semelhante ou sermos polidos e educados com todos os que nos cercam, tendo sempre uma palavra amiga e compreensiva. A oportunidade nos é oferecida a todo o momento, a cada minuto, a cada segundo e não podemos perdê-la porque na verdade, e é bom lembrarmos sempre disso: A hora é agora!



segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A TRIBO ESTÁ EM FESTA!


Chegou pra brincar
com o povo na floresta!
Alegria e festa,
emoção que faz delirar!

Enfeita o terreiro
e acende a fogueira!

Ribumba tambor!
Ribumba tambor!
Faz tremer este chão!

Sateré, Sateré, Sateré, Mawé!
Sateré, Sateré, Sateré, Mawé!

Urupadi! Manjuru!
Miriti! Marau! Andirá!

lagarta de fogo, Sateré!
lagarta de fogo, Sateré!
papagaio falante, Mawé!

Luar no céu! no céu!
Encanto no ar! no ar!
Do sangue guerreiro
do povo do Guaraná!



Iacoamã Icumaató!

Tem Caxiri! Tarubá!
e Guaraná-çapó!

Ó! Ó! Ó! Ó!

lagarta de fogo, Sateré!
lagarta de fogo, Sateré!
papagaio falante, Mawé!






                         

                        É fim de ano! E toda a tribo está reunida pros festejos da passagem de ano. Motivo de muita festa, alegria e confraternização. De agradecimento pela colheita, considerando todos os acontecimentos. Desde as dificuldades todas até a fartura do peixe, da caça, do plantio, dos nascidos. Todos celebramos juntos. A mesa é farta de muitos frutos colhidos na floresta, como o açaí, o tucumã, a pupunha, a bacaba e, principalmente, o Çapó (Paullínia Sorbilis, o conhecidíssimo Guaraná!). Também tem muita carne de animais da criação, bem como a de caçados na floresta. É o momento que se renova a cada ano, permitindo a nós, Sateré Mawé, comungarmos de nossa gênese mítica, revigorando-nos espiritualmente e, portanto, etnicamente.

                        Momento em que são contadas muitas histórias transmitidas por parentes nossos que habitam o Noçokém - dimensão das representações simbólicas que nos permitem o intercâmbio com o mundo espiritual. Nesse sentido, importa lembrar aqui, com as diferenças justas, a semelhança existente entre as alterações da existência para a alma humana e os insetos de metamorfose completa, como é o caso da borboleta, e as nossas representações simbólicas.

                        A larva da lagarta, como os insetos de transformação total, experimenta vários períodos de renovação até atingir a condição de adulto, muito embora permaneça com o mesmo aspecto, porquanto apenas depois da derradeira mudança de pele é que se torna o que chamaremos de casulo ou pupa.

                        Nessa condição, acusa progressiva diminuição de atividade, até que não mais suporte alimentar-se. Esvaziam-se-lhe os intestinos e paralisam-se-lhe os movimentos. A larva protege-se, então, no solo ou na planta, preparando-se para o ritual de passagem, necessário para a sua própria liberação e evolução.

                        Permanece, assim, imóvel, e não se alimenta do ponto de vista fisiológico, encrisalizando-se em fios de seda por ela própria constituídos com a secreção das próprias glândulas salivares, agregados a pequeninos tratos de terra, ou nos vegetais com que tem contato, formando, desse modo, o casulo em que repousa, durante certo tempo, que pode durar alguns dias e até meses.

                        Na situação de pupa, ao impacto das vibrações de sua própria organização natural, sofre profunda modificação em seu organismo, modificação que equivale a verdadeiro aniquilamento ou esvaziamento das aparentes forças vitais, ao mesmo tempo em que elabora órgãos novos, valendo-se dos tecidos que perduraram.

                        Então, somente quando as ocorrências da metamorfose se realizam completamente, é que o novo ser, integralmente renovado, abandona o casulo, revelando-se por leve, ágil e de cores vibrantes, como acontece com a borboleta. Entretanto, embora magnificentemente modificada, a borboleta alada e multicor é o mesmo indivíduo, somando em si as experiências dos três aspectos fundamentais de sua existência de larva, ninfa e inseto adulto.

                        Semelhantemente, a criança recém-nata retira-se do útero e entra em nova fase de evolução, que se firma através de alguns anos. A princípio, tenra e frágil, retém na própria organização física todos os recursos que lhes foram doados pela natureza para que possa existir.

                        A criança se desenvolve, satisfazendo os imperativos da própria vida, alimentando-se o necessário para manter-se saudável, de maneira que se lhe ajuste aos desígnios traçados desde o Noçokem, no mundo espiritual. Assim, a criatura humana, depois do período infantil, atravessa expressivas etapas de renovação interior, até alcançar a madureza corpórea, e até que chegue o esgotamento da força vital no curso da vida, através da senectude pelos anos vividos, pelo esgotamento natural dos órgãos ou por intervenção de enfermidade, é quando se habilitará à transformação mais profunda.

                        Nesse período característico do esgotamento natural dos órgãos ou por acometimento de moléstia irreversível, demonstra gradativa diminuição de atividade – como a pupa -, não mais aceitando a alimentação. Pouco a pouco, declinam-se as suas atividades fisiológicas e a inércia substitui-lhe os movimentos. Prepara-se, desde então, quase sempre deitado na rede, para fazer a passagem, para o trabalho liberatório, necessário para a sua própria evolução. Chega, assim, o momento em que se imobiliza na cadaverização, mumificando-se à feição da crisálida, mas envolvendo-se no mais íntimo do seu ser com os fios dos próprios pensamentos, conservando-se nesse casulo de forças mentais, construído por suas próprias ideias, pela sua própria mente. 

                        No ciclo de metamorfose de seu corpo, padece extremas alterações até que os acontecimentos da morte se realizam. Acariciado pelo bafejo edificante dos Condutores Espirituais que lhe acalentam a marcha, o espírito dorme o sono da morte, mumificando-se na cadaverização, como acontece à pupa. Plenamente renovada em si mesma, a criatura humana abandona o corpo físico. 

                        Metamorfoseada, não obstante ter abandonado o corpo físico, a personalidade humana continua, além túmulo, aprendendo sem perder a própria identidade, somando consigo as experiências da vida na terra, da passagem e da metamorfose sofrida no Noçokem, ou seja, no plano espiritual.

                        Aprendemos desse modo, que a nossa existência deve atender a pressupostos de conduta moral, onde temos a oportunidade, dada por Deus, de atendermos à plantação dos sentimentos, palavras, atitudes e ações com que, no Noçokem, encontrar-nos-emos com a colheita dessa sementeira praticada na forma física, com que entesouramos ou não as experiências necessárias a sublime ascensão a que todos somos destinados.

                        Assim sendo, como o pássaro para desenvolver-se no ovo precisa aquecer-se ao calor da ave que o acolha maternalmente, e assim como a semente, para liberar os princípios germinativos da árvore gigantesca em que se converterá, precisa da terra, os espíritos que habitam o Noçokem, sequiosos de reintegração no mundo físico, necessitam da mulher, cuja matriz uterina oferecer-lhes-á novas formas e, assim como a larva, assegurando a esperada metamorfose, o espírito avança em mais uma experiência, em novo corpo físico, adquirindo méritos ou deméritos, segundo a própria conduta, e entregando-se em seguida, novamente ao fenômeno da morte da matéria física. É assim que a consciência nascente do homem se desenvolve para a eternidade. 

                        Acreditamos que todas as coisas criadas por Deus estão em constante evolução, segundo leis naturais estabelecidas por Ele mesmo e, portanto, são inderrogáveis, ou seja, são imutáveis. Resta-nos aprender com a observação dos acontecimentos naturais, para retirarmos daí as mais sublimes lições de vida necessárias para a continuidade de nossa existência nessa romagem eterna ascensional.

                        Então, tudo é só alegria! 

                        Vamos todos comemorar mais uma passagem, pois temos muito, muito, muito ainda que aprender e nos desenvolvermos como seres criados para a eternidade!




Ribumba tambor!
Ribumba tambor!
Faz tremer este chão!


 Dança filho da terra,
o canto mais forte é o
grito de guerra!



Ô! Ô! Ô! Ô!

Ô! Ô! Ô! Ô!


 Hei! Hei! Hei! Hei! Hei! Há!
Hei! Hei! Hei! Hei! Há!
 


O coração desperta! 


Heira! Heira! Heira! Hei!
Heira! Heira! Heira! Hei!

Heira! Heira! Heira! Hei!
Heira! Heira! Heira! Hei!