domingo, 20 de abril de 2014

O CANTO DO UIRAPURU




Há muito, muito tempo, desde as primeiras canções, quando Sahú-Watô, o Grande Espírito da floresta, se movia suavemente sobre as mansas águas dos Igarapés, ouviu-se o choro de uma criança, que parecia o canto de um pássaro e..., naquele momento..., fez-se um silêncio em toda a floresta!

Assim, nascia um Curumim, que por ter o choro parecido com o canto dos pássaros foi chamado de Wirapu Ru, que significa pássaro que não é pássaro. E ele crescia em graça diante de Sahú-Watô e dos homens, porquanto, desde o primeiro instante de sua vida, foi enriquecido com toda a energia do poder dos elementares, pois nascera no momento da passagem de Sahú-Watô, e, assim, com o passar dos anos ia se manifestando mais e mais a sua elevada influência espiritual.

Wirapu Ru ia se tornando sempre cada vez mais querido, dando sempre mais a conhecer as belas qualidades que o faziam tão amável, pois com alegria obedecia aos ensinamentos mais tradicionais. Trabalhava sempre entusiasmado! Com modéstia se alimentava! Com moderação falava! Com doçura e afabilidade conversava com todos! Com coragem e bravura se destacava! Cada ação, cada palavra, cada movimento de Wirapu Ru abrasava e aquecia o coração de todos que o viam e em particular de duas Cunhantãs, que eram amigas inseparáveis. Uma se chamava Capotira, que significa flor do mato, e a outra Ibotira, que significa flor pequena.

Um dia..., foi decidido que uma Grande Festa para a Grande Matriarca, a Tuxaua da Tribo, seria realizada na próxima lua cheia. Capotira e Ibotira ficaram durante o dia inteiro se preparando com suas pinturas tradicionais para a Grande Festa, que aconteceria naquela noite de luar. Ambas já estavam muito impressionadas com Wirapu Ru, sem perceber que já estavam totalmente apaixonadas. Contudo, amavam em segredo, pois falavam da paixão que sentiam sem dizer, uma à outra, o nome do guerreiro por quem nutriam tão forte sentimento.

E a Grande Festa teve início e, com a aproximação de Wirapu Ru, sob a luz do luar, ambas as Cunhãs descobriram que estavam apaixonadas pela mesma pessoa. No entanto, a amizade entre elas era tão grande que resolveram superar o ciúme, o medo e decidiram que ele é quem escolheria uma das duas.

Logo, toda a Aldeia começou a perceber o que acontecia com as Cunhãs, e o caso foi levado ao conhecimento da Tuxaua, a Grande Matriarca, que resolveu conversar com ambas, a fim de chegar a alguma solução.

         Wirapu Ru foi chamado para depor e afirmou estar surpreso com o declarado amor de ambas as Cunhãs, respondendo à Tuxaua que gostava das duas e não tinha como saber de quem gostava mais. A Tuxaua, então, decidiu: “Aquela que acertar, em pleno voo, o pássaro que eu escolher, será a escolhida de Sahú-Watô”.

No dia seguinte, a Tuxaua escolheu um pássaro branco, que sobrevoava a Aldeia, e as Cunhãs dispararam suas flechas. O pássaro escolhido foi atingido e caiu no solo com uma flecha bem no peito. Como as flechas foram marcadas, ficou fácil saber quem seria a vencedora, que no caso foi Ibotira, que, por esse feito, foi quem se casou muito feliz com Wirapu Ru. Capotira, então, nesse momento, sentiu-se totalmente desamparada, não tinha agora sua melhor amiga, nem o seu grande amor. Muito infeliz, foi-se para a floresta chorar.

Contudo, mesmo estando casado com Ibotira, Wirapu Ru descobriu-se apaixonado por Capotira. Pois o sofrimento da Cunhã foi tamanho, que Wirapu Ru ficou tão sensibilizado e encantado pela mesma energia que resolveu dar margens àquela paixão, encontrando-se às escondidas com sua amada, floresta adentro. No entanto, ambos não podiam viver esse amor, pois poderiam ser mortos se alguém da tribo os descobrisse.

Assim, por se tratar de um amor proibido, Wirapu Ru não poderia se aproximar de Capotira durante as situações mais comuns e, por isso, caiu em profundo sofrimento, amanhecendo muito doente, com uma febre muito forte. E não havia Xamã no mundo que descobrisse que mal olhado seria esse, pois Wirapu Ru estava doente de paixão. Não aguentando mais tanto sofrimento, suspirou, entregando-se a Sahú-Watô, fazendo prematuramente a passagem para o Noçokém.

Sahú-Watô, muito compadecido com a passagem prematura de Wirapu Ru, resolveu transformá-lo num pássaro, dando-lhe um encantador e melodioso canto, e disse: “De agora em diante seu canto vai espantar a sua tristeza e a do mundo inteiro. Seu canto será tão belo que todos os pássaros se calarão para ouvi-lo cantar, passando a ser um símbolo de felicidade”.

Assim, quando o Wirapu Ru canta para a sua amada, com seu canto suave e melodioso por cerca de quinze minutos por ano – apenas -, tem esperança de que um dia Capotira ouça o seu canto e saiba que ele continua a amá-la tanto quanto sempre amou. E é por isso que toda a floresta e todos os pássaros ficam em silêncio ante a seu suave e reconfortante canto, rendendo-lhe homenagem.

E, também, é por isso que Wirapu Ru é considerado um pássaro que sempre traz boas energias, por ser um raríssimo e encantado pássaro. Quem o encontra e ouve seu canto pode fazer um pedido que se tornará realidade. Quem obtiver uma pena sua, terá sorte nos negócios e com as mulheres. A mulher que conseguir um pedaço do seu ninho terá a pessoa que ama apaixonada e fiel pelo resto da vida. Por tudo isso e muito mais, quem ouvir o seu melodioso, suave e inconfundível canto deverá fazer um pedido, que certamente será realizado.


 



segunda-feira, 10 de março de 2014

O ESPÍRITO GUARDIÃO DA FLORESTA




...naquela noite chovia muito! Mamãe papagaio estava em seu ninho, cuidando dos seus ovinhos, pois estava próxima a chegada dos seus filhotinhos e, por isso, ela estava muito ansiosa e contente.
De repente, a chuva cessa e os ovinhos começaram a se partir, surgindo lindos papagaiozinhos. Mamãe papagaio acariciava seus filhotinhos toda satisfeita, quando percebeu que um deles era... um pouco estranho, e... destoava dos demais. Ele era todo azul e tinha o bico branco, diferente dos seus irmãos e dos papagaios, que são em sua maioria de cor verde e com o bico de cor escura. Mas..., estava contente mesmo assim, e cuidava de todos com o mesmo carinho. E, assim, o tempo foi passando...!
Todos os passarinhos da floresta zombavam de mamãe papagaio, porque ela tinha um filhotinho esquisito. Ela, por sua vez, não se importava porque amava muito a todos os seus filhotinhos, sem distinção. Aquele papagaio diferente era conhecido por todos como pássaro estranho. Por isso, ninguém queria brincar com ele, nem seus próprios irmãos, porque ele era diferente de todos. E, por conta disso, ele se entristecia e se perguntava:
- Por que ninguém gosta de mim?!
Mamãe papagaio, vendo seu filho amado triste e chateado, aproximava-se e lhe fazia muito carinho. Ele, então, sentindo toda aquela maravilhosa sensação do carinho de mãe, logo se esquecia de todos os maus tratos sofridos e ficava todo contente.
Certo dia, quando estava perto do grande rio, percebeu que tinha algumas formiguinhas trabalhando, carregando folhinhas. Então, ele pensou:
- Eu acho que vou ajudá-las, vai ser divertido e vou fazer novas amizades!
Pegou, então, uma folhinha com seu biquinho branco e a colocou na entrada do formigueiro. Vendo aquele passarinho estranho perto da sua morada, um monte de formigas se aproximou. Uma mais afoita disse:
- Que pássaro esquisito, olha lá...! Acho que ele quer tampar o formigueiro para morrermos sufocadas. É isso! Ele quer acabar com a gente! Vamos companheiras, ao ataque!
E correram todas em sua direção. Todas gritavam em um só coro:
- Fora daqui pássaro malvado!
O papagaio azul voou rapidamente e pousou numa grande árvore. Sem entender o que se passou naquela hora, ficou pensativo:
- Por que elas ficaram tão furiosas comigo e queriam me machucar?! Eu não fiz nada, só desejava ajudar...!
       Assim, ficou parado ali um bom tempo, tentando chegar, em vão, a alguma conclusão.
Passaram-se alguns dias e ele, sempre sozinho, brincava na copa das árvores da floresta, quando percebeu que uma pequena lagarta andava distraída em um galho próximo.
- Puxa! Como ela é bonitinha, será que essa lagarta linda poderia ser minha amiguinha? - Pensou.
Foi quando percebeu que ela estava em perigo. O galho em que ela estava era seco e parecia que ia se partir logo, logo e a lagarta certamente cairia no chão. Rapidamente voou, ficou embaixo do galho, sustentando todo o peso com suas asas. E assim que a lagarta conseguiu atravessar, ouviu-se um barulho de galho se quebrando. Dona Lagarta levou o maior susto! E vendo o papagaio azul por perto, começou a gritar:
- Você tentou me jogar no chão! Fora daqui, vai embora...!
E o nosso amiguinho voou novamente para bem longe. Pousou em uma pedra perto do grande rio e continuava pensando:
- Por que todos me mandam embora?! Por que não gostam de mim?!
Olhou para o rio e percebeu que uma Joaninha estava quase se afogando. Ela tentava desesperadamente subir em um tronco que estava boiando, mas tudo em vão. Sem demora, o papagaio azul arremessou uma pedra, que estava ao seu lado, chegando esta a cair próximo da pequena Joaninha, criando uma ondulação na água, arremessando-a longe, até chegar à terra firme.
Muito feliz por haver salvado a pequena Joaninha, o papagaio azul voou em sua direção e lhe perguntou:
- Nossa! A senhora está bem, Dona Joaninha?!
Ainda meio atordoada do susto, Dona Joaninha, muito irritada lhe responde:
- Você tentou me matar, atirando aquela pedra em mim, seu papagaio esquisito! Os habitantes da floresta correm muito perigo com você à solta por aí! Vou correndo reclamar de você ao Conselho Maior da floresta e vou relatar tudo o que se passou, a fim de que sérias providências legais sejam tomadas...!
O Conselho Maior, que era representado pelos habitantes mais importantes, idôneos e de conduta ilibada, fora convocado e o papagaio azul intimado a comparecer em determinada data e lugar, que foram aprazados.
        E devido à grande repercussão jurídica do caso, todos os habitantes da floresta se fizeram presentes para assistir ao julgamento do papagaio azul.
O representante do Ministério Público das Formigas pediu a palavra e, utilizando uma eloquente retórica, acusou formalmente o papagaio azul de ter tentado entupir o formigueiro e só não o fez por motivos alheios à sua vontade. A lagarta depôs como testemunha de acusação e afirmou, veementemente, que o papagaio azul havia tentado jogá-la no chão. Dona Joaninha, também, foi convocada como representante daqueles que se sentiam prejudicados e incomodados, e apresentou uma lista de acusações contra o papagaio azul.
O papagaio azul apenas ouvia a tudo, muito sentido com toda a repercussão do caso e profundamente entristecido com tudo que estava acontecendo, pois jamais gostaria de se tornar um peso para os demais. Sentia, mais ainda, por estar sendo considerado o motivo de pesar de muitos, por isso, ouvia a tudo sem dizer nada.
Até que toda a assembleia começou a gritar:
- Fora daqui! - Diziam uns.
- Que ele seja expulso da floresta! - Gritavam outros.
Depois de considerar por alguns minutos, o Conselho Maior da floresta prolatou sua irrecorrível e soberana decisão, proferida de forma unânime - o papagaio azul foi considerado culpado pelos crimes a ele imputados. E sua punição foi a expulsão da floresta, sendo obrigado a viver sozinho na grande rocha, que fica fora da floresta.
O papagaio azul totalmente submisso foi, então, em direção a sua nova casa, na grande rocha, fora da floresta. Ele estava sozinho agora e não podia mais entrar na floresta para ver os seus. Por isso, considerou:
- Puxa! Como vou fazer para me alimentar? Pensou por algum tempo e concluiu:
- Ah! Sim! Tenho de arranjar um jeito de entrar na floresta e sair de forma que ninguém nunca me veja.
O tempo foi passando e ele sempre voltava à floresta, mas nunca deixava que ninguém percebesse sua presença. Quase sempre encontrava alguns animaizinhos em apuros e os ajudava. Todos os habitantes da floresta percebiam que algo estranho acontecia. Algumas vezes, apareciam frutos em lugares onde faltavam alimentos, filhotinhos que caíam das árvores e não se machucavam...!
Como muita coisa boa acontecia com certa frequência, criou-se, entre os moradores da floresta, a crença de que existia um Espírito Guardião que protegia a todos e que Ele somente estava a realizar seus prodígios, porque o papagaio azul não estava mais entre os moradores da floresta. Todos acreditavam na bondade do Espírito Guardião da floresta e muitos passaram a ajudar aqueles que tinham dificuldades em seu nome. Todos estavam muito felizes e a Paz reinou por longos anos.
Certo dia..., o papagaio azul, já bem velhinho, mas com o semblante confiante e sempre otimista, saiu da caverna árida em que morava na grande rocha, fora da floresta e longe dos seus. E pousou nas margens do grande rio. Ficou ali algum tempo, tendo todos os motivos do mundo para se entristecer e reclamar, mas..., cantava, alegremente, ao Grande Espírito da floresta! Agradecendo, profundamente, por mais um dia...! Quando ouviu uma voz suave lhe chamando:
- Papagaio azul...!
Ao ouvir aquela voz, o papagaio azul tomou o maior susto, porque ninguém da floresta poderia ver que ele estava ali. Tentou rapidamente se esconder quando ouviu novamente aquela mesma voz, agora, ainda mais suave, dizendo:
- Não tenha medo, papagaio azul...!
Naquele instante, uma grande luz o envolveu totalmente.
- Sou o Grande Espírito da floresta, Aquele que criou toda a floresta e que sabe todas as coisas. Você está cansado, papagaio azul. Chegou a hora do merecido descanso. É hora de voltar para casa e para os seus, desfrutar das alegrias que conquistou.
- Mas..., eles me expulsaram de lá, de sorte que não posso mais voltar!
O Grande Espírito, em tom solene, ordenou-lhe:
- Olhe para o rio, papagaio azul.
O papagaio azul olhou para a água e foi a primeira vez em toda a sua vida que viu o seu próprio reflexo. Muito espantado, exclamou:
- Nooossa! Eu sou da cor do céu!
- Certamente! Compreende agora?! Você é um pedacinho do céu que eu permiti que descesse até a terra para ensinar a todos a amar indistintamente sem esperar receber nada de volta, fazendo com a mão direita, de forma que a esquerda de nada ficasse sabendo.
Neste momento, o papagaio azul começou a chorar muito. E suplicou:
- Oh! Por favor! Reconheço que falhei em minha missão, pois ninguém se lembra de mim, senão como um malfeitor!
- Sim, é verdade. Do papagaio azul ninguém mais se recordará, entretanto, do Espírito Guardião da floresta, os séculos passarão e ele jamais será esquecido. Ele será sempre lembrado, não por sua forma e beleza, mas por suas atitudes de bondade.
- Mas ninguém sabe que fui eu! Exclamou surpreso o papagaio azul.
- Eu o sei, e isso é o bastante - Falou o Grande Espírito da floresta. Você fez o bem a muitos sem esperar nada em troca, agora venha para os meus braços.
E o papagaio azul, não cabendo em si de tanta alegria, voou em direção ao céu, desaparecendo no horizonte.
Lá embaixo, na floresta, todos se sentiam felizes e amparados porque acreditavam que existia um Bom Espírito que cuidava deles. O respeito e admiração ao Espírito Guardião da floresta, desde então, é passado de geração para geração.




sexta-feira, 7 de março de 2014

O QUANTO DEIXEI DE VER JACI...?!




Certa vez..., em uma noite estrelada de luar, um homem remava suavemente sua canoa pelos igarapés próximos de sua aldeia.
Na popa de sua canoa, ele carrega o que para ele é o seu maior tesouro - seu filhinho de apenas dois anos de idade.
Enquanto continua remando, ele observa que seu filho está com o olhar fixado no alto, longe, parecendo totalmente absorvido pelo maravilhoso céu estrelado de luar.
Uma luz de um suave azul do luar ilumina o rosto do curumim, proporcionando uma beleza sem igual para o pai, encantado pela pureza angelical de sua criança.
Então, com aquela voz tenra, pequena e trêmula da descoberta das primeiras palavras, o curumim aponta para cima e fala:
- J..a..c.i !!! - que significa Lua.
Sim, isso mesmo! - diz o pai todo animado e muito admirado. É Jaci! Como Jaci é linda, não é, meu filho?!
O curumim nada responde, e continua encantado, observando o brilho natural da luz do luar, pois as crianças da aldeia intuitivamente sabem que a beleza da natureza precisa ser apenas contemplada, e que qualquer palavra é pequena, pobre e insuficiente demais para descrevê-la.
A partir de então, o pai passa a olhar para cima também, respira fundo e consegue observar a maravilha que é uma noite de luar a cobrir todas as árvores, rios, lagos, furos e igarapés, em toda a floresta!
Então, pensa consigo mesmo:
“Nossa! O quanto deixei de ver Jaci...?!”
Lembrou-se, então, de que fazia muito tempo, desde a última vez que pôde parar em si e contemplar profundamente o fulgurante e encantador brilho lunar. E perguntou pra si:
- Será mesmo que me esqueci de admirar Jaci?! Contudo, sinto que ela certamente não se esqueceu de mim, pois há pouco conversava com meu filhinho...!
Os dias agitados, os muitos afazeres, as preocupações, tudo isso pode nos fazer perder o contato com a natureza e com as coisas simples da vida.
Começa o ano e, quando menos percebemos, já estamos pela metade e... nesse tempo todo - pois é muito tempo – esquecemo-nos de admirar o céu, as nuvens, um pôr do sol, ou simplesmente apreciar o canto dos pássaros...!
Falta-nos tempo para aproveitar as oportunidades! – é o que alegamos. E quem é capaz de criar tais oportunidades? Apenas nós mesmos, ninguém mais!
O contato com a natureza nos renova as forças e nos proporciona momentos de reflexão, de pensamentos mais leves, sem o peso angustiante da preocupação. Tudo isso faz bem ao espírito e ao corpo. Precisamos recarregar nossas energias, constantemente, e o Grande Espírito Criador nos oportuniza a cada momento diversas fontes naturalmente inesgotáveis de tais recursos.
Não podemos nos deixar ser simplesmente consumidos, pelas preocupações do dia a dia.
A vida é muito mais que acordar, trabalhar, alimentar-se, usufruir de pequenos prazeres, dormir...!
Devemos aproveitar a nossa passagem terrena para aprender com a observação dos acontecimentos naturais, a fim de retirarmos daí as mais sublimes lições de vida necessárias para a continuidade de nossa evolução espiritual, sob pena de termos uma vida afogada em mil afazeres - sem tempo para nada – mas interiormente, vazios, tristes e depressivos.
Assim, não devemos deixar de ver Jaci, nem deixar de observar a natureza, de notar as estrelas, de nos maravilharmos com elas e, principalmente, de escutar o que elas sempre têm a nos dizer.
Que possamos olhar para Jaci e nos deixarmos seduzir pela beleza natural e encantadora de uma noite de LUAR!!!






quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

A PENA DE ARARA!




Certa vez, um homem saiu de sua aldeia para um passeio com suas duas filhas, uma de oito e outra de quatro anos, pelas trilhas da floresta. Em determinado momento da caminhada, a mais nova pediu ao pai que a carregasse, pois estava muito cansada para continuar andando.

O pai respondeu que estava muito cansado também. Diante da resposta, a cunhã começou a choramingar e a fazer “corpo mole”.

Sem dizer uma só palavra, o pai continuou a caminhada pela floresta até que encontrou no meio do caminho uma pena de Arara e a entregou à cunhã, dizendo:

- Olha aqui uma pena de Arara, minha filha! Ela irá ajudar-te a seguir em frente, pois agora poderás voar como as Araras voam.

A cunhã parou de chorar, olhou a pena de Arara e pôs-se a caminhar como se voando estivesse, tão rápida, que chegou de volta à aldeia, antes dos outros. Ficou tão encantada com a pena de Arara que recebeu de seu pai, que foi difícil fazê-la parar de brincar de voar como as Araras.

A irmã mais velha ficou intrigada com o que viu e perguntou ao pai como entender a atitude da mais nova. O pai sorriu e respondeu, dizendo:

- Assim é a vida minha filha! Às vezes, estamos física e mentalmente cansados, certos de que é impossível continuar. Mas, então, encontramos uma 'pena de Arara' qualquer que nos dá ânimo outra vez. Essa pena de Arara pode ser um bom amigo, uma canção ou uma outra coisa qualquer...!

Assim, quando nos sentirmos cansados ou desanimados nunca devemos nos deixar levar pela preguiça ou pelo desânimo.

Devemos nos lembrar de que:

"Sempre haverá uma pena de Arara para cada momento!"







   











sábado, 4 de janeiro de 2014

AS PESSOAS "CERTAS"



— É hoje o último dia, Raul!
— Preciso fazer essa inscrição de qualquer maneira, Luana. Sou um bom mecânico e tenho certeza de que essa é a minha grande chance de arrumar um emprego!
— E sua mãe? Precisa levá-la ao médico hoje. Ela não está nada bem!
— Vou fazer isso, também. Pegarei uma guia de consulta no hospital. Ainda bem que ela tem um plano público de saúde, senão, não sei como faríamos!
— Será que dará tempo de você fazer a inscrição para esse concurso público e levar sua mãe ao médico?
— Tem que dar Luana! Precisamos muito desse emprego! Já estou começando a ficar desesperado! Estou com os nervos à flor da pele! Há muito tempo não consigo mais dormir direito e acordo sobressaltado todas as noites!
— Eu também, Raul! Tenho sentido uma tristeza muito grande! Olho para o berço do nosso bebê e não consigo conter as lágrimas!
— Se Deus quiser, desta vez vou conseguir!
— Mas procure se acalmar, Raul, para que possa fazer tudo direitinho. Você achou a foto para a inscrição?
— Achei, apesar de ela já ter mais de oito anos. Está um pouco diferente. Envelheci muito nestes últimos meses!
Luana abraça o marido, tentando dar-lhe apoio. Raul encontra-se desempregado há quase um ano e o pouco dinheiro que recebeu com a demissão já está chegando ao fim. Possuem um filho de apenas dois anos de idade e a mãe de Raul, dona Jacy, que mora com eles, encontra-se no momento muito doente, com um princípio de pneumonia. Dona Jacy é pensionista do falecido marido, recebendo pequeno salário que mal lhe dá para comprar os remédios diários para normalizar sua pressão.
É segunda-feira e, no dia anterior, Luana ficara sabendo de um concurso público para vários tipos de serviços, dentre eles, o de mecânico de manutenção em máquinas de terraplanagem, especialidade do marido.
— Bem, Luana, vou primeiro até a prefeitura e depois irei até o hospital. Bem à tarde, levarei mamãe ao médico. Não me espere para almoçar porque não vou ter tempo para isso.
— Boa sorte, Raul! E que Deus o acompanhe!
Raul sai apressado, pois além de ter que fazer sua inscrição para o concurso, terá também que apanhar uma guia de consulta e levar a mãe ao médico. A tudo isso, soma-se a dificuldade da cidade grande, capital do Estado, onde tudo é muito longe. Dessa forma, Raul apanha um ônibus circular e dirige-se, primeiramente, até a Prefeitura. Na verdade, o tempo que terá que gastar para tudo isso é suficiente, já que tem o dia todo, dependendo, obviamente, das diversas pessoas com quem terá que se relacionar.
Dessa forma, a partir de agora, passaremos a ver toda essa sua caminhada de duas formas, as quais o leitor poderá identificar pelos dois diferentes tipos de discurso:


08h00min h
— Bom dia, minha senhora! Preciso de uma informação...! – Diz Raul para a mulher que se encontra por detrás de uma escrivaninha na repartição da Prefeitura e que, lixando as unhas, conversa com outra funcionária.
— Um momento, Senhor! – responde. — Sente-se ali numa daquelas cadeiras e aguarde um pouco. Começaremos a atender às nove horas.
— Mas é apenas uma informação...!
— Faça o favor de aguardar! – diz, rispidamente, a mulher, levantando-se e dirigindo-se para uma sala contígua, acompanhada pela outra funcionária, deixando Raul sozinho.


08h00min h
— Bom dia, minha senhora! Preciso de uma informação...! – diz Raul para a mulher que se encontra por detrás de uma escrivaninha na repartição da Prefeitura e que, lixando as unhas, conversa com outras funcionárias.
— Bom dia, meu senhor. Em que posso lhe ser útil? – responde a mulher, sorrindo e colocando a lixa dentro da gaveta.
— É aqui que estão acolhendo inscrições para o concurso de mecânico?
— É aqui, mesmo!
— Posso fazê-la agora? Ainda tenho que ir apanhar uma guia para levar minha mãe ao médico...!
— Bem, o horário de atendimento é a partir das nove horas, mas não há mal algum em que eu lhe atenda agora! O senhor trouxe uma foto? Preciso também de seus documentos!
— Esta foto serve?! É um pouco antiga...!
— Está bastante diferente, mas dá para ver que é o senhor! Vamos aproveitá-la! Se o senhor passar nos testes e for empregado, daí, então, pedir-lhe-emos uma nova. Mas, por favor, sente-se! Vou preencher a ficha de inscrição. Basta que me responda a umas poucas perguntas!


09h00min h
— A senhora já pode me atender agora? Já são nove horas e ainda tenho que ir a um hospital apanhar uma guia e levar minha mãe ao médico. – pergunta Raul, que ficara à espera da funcionária, desde as oito horas.
— Um momento só, meu senhor, eu já volto! – responde a mulher que, nem bem entrara na sala, sai novamente em direção à cozinha em busca de um café, deixando o pobre homem a esperar por mais quinze minutos. Quando retorna, não consegue esconder um ar contrafeito por ter que atender Raul e muitas outras pessoas que ali já formam uma fila para inscreverem-se.
— Pode aproximar-se agora! Trouxe seus documentos e uma foto? – pergunta, sem olhar para Raul.
— Estão aqui!
A mulher apanha os documentos e a foto, olha de relance para o homem e afirma categórica:
— Esta foto não serve! Está muito velha! Nem se parece com o senhor!
— Por favor, minha senhora! É a única que tenho no momento! Não posso fazer minha inscrição e trazer uma nova foto amanhã?! Penso que não irá dar tempo!
— O prazo de inscrição para o concurso encerra-se às dezesseis horas. Traga uma foto atual! O próximo! – diz a mulher, secamente, chamando outra pessoa da fila, enquanto Raul retira-se, bastante preocupado. A mulher fê-lo esperar uma hora e agora terá que correr contra o tempo. Em primeiro lugar precisará tirar uma fotografia.


08h30min h
— Sinto-me muito mais animado! – pensa Raul ao sair da Prefeitura. — Ainda bem que existem pessoas boas neste mundo! A mulher atendeu-me antes do horário e aceitou aquela minha foto! Estava preocupado com ela! Era muito antiga! Agora vou até o hospital apanhar uma guia para minha mãe.
Pensando assim, Raul apanha um ônibus em direção ao hospital. Paga a passagem, percorre o corredor do veículo e, aproximando-se do motorista lhe pergunta:
— Diga-me uma coisa: este ônibus passa pelo Hospital Boa Esperança?
— Não! – responde o homem. — Vamos passar por detrás dele, na avenida expressa.
— E o primeiro ponto de parada, logo após passarmos por ele, fica muito longe?!
— Fica sim! O próximo fica há cerca de uns dois mil metros! O senhor deveria ter apanhado o ônibus que vai até a Avenida Moreira! Esse, sim, passa bem defronte ao hospital onde tem um ponto de parada!
— Entendo...!
— Mas não se preocupe! – diz o motorista. — Não é permitido, mas darei uma rápida parada para que o senhor desça. Depois, é só caminhar por mais duas quadras no sentido sul e chegará rapidamente ao hospital. E para voltar, existem diversas linhas, inclusive, duas, para o centro da cidade!
— Deus lhe pague meu bom homem! Não imagina o quanto está me ajudando!


09h10min h
— Oh! Meu Deus! Aquela mulher bem que poderia ter-me atendido antes! Pelo menos, já poderia ter ido atrás de uma nova fotografia! Perdi mais de uma hora sentado lá! Onde será que vou encontrar um estúdio fotográfico?! Vou perguntar naquele bar – diz Raul, para consigo mesmo, entrando no bar e perguntando ao proprietário se conhece algum fotógrafo naquelas imediações.
— Sinto muito, senhor! Não conheço nenhum estúdio por aqui. Penso que o senhor deverá encontrar um no centro da cidade!
— O centro fica tão longe daqui?! – pensa desanimado. — Por que aquela mulher não aceitou esta minha fotografia?! Não custava nada! Depois eu lhe traria uma outra!
Toma, então, um ônibus e dirige-se até o centro da cidade. Caminha por uns quinze minutos até encontrar um estúdio fotográfico onde tira a foto para a inscrição.
— Por favor! Volte dentro de uma hora que a foto estará pronta! – diz o fotógrafo.
— Não dá para fazê-la mais rápido? Ainda tenho que voltar à Prefeitura!
— Vou fazer o possível! Volte em quarenta minutos! – responde o homem, sem muita convicção nas palavras.
— O que faço agora?! – pensa Raul, já na calçada. — Será que dará tempo de ir ao hospital apanhar uma guia?! Já são quase dez horas e quinze minutos! Se lá fecharem para o almoço, perderei a viagem! Acho melhor esperar a fotografia ficar pronta!
Quarenta minutos se passam e João que ficara andando a esmo, esperando os minutos passarem, retorna ao fotógrafo e qual não é sua surpresa quando vê a porta do estúdio fechada com uma tablita na vitrine: “Fechado para o almoço”.
— Mas o que é isso?! O homem pediu-me para voltar dentro de quarenta minutos e saiu para almoçar! Mas será que ninguém respeita mais ninguém?!
O coitado não sabe o que fazer e entra numa pequena papelaria localizada ao lado.
— Por favor, dê-me uma informação: a que horas o fotógrafo aqui ao lado volta do almoço?
— Ele costuma sair às onze horas e só retorna às treze e trinta!
— Ele não mora aí?
— Não! Ele mora longe do centro!
— Mas ele me disse para voltar em quarenta minutos para apanhar uma foto...!
— Sinto muito, nada posso fazer! – responde o balconista, voltando-lhe as costas.
Raul sai da papelaria bastante desorientado.
— Deveria ter ido até o hospital! Deixe-me ver...! – pensa — sim, vou até o hospital, depois apanho minha mãe, levo-a ao médico, volto até aqui e vou para a Prefeitura. Será que dará tempo, meu Deus?! Bem, se minha mãe estiver melhor, talvez eu possa levá-la amanhã ao médico!


11h30min h
— Já voltou Raul? O que aconteceu? – pergunta Luana, preocupada ao ver o marido chegando a casa naquele horário.
— Você pode não acreditar, mas já fiz tudo o que tinha de fazer! Só falta levar mamãe ao médico! Pensei que não fosse dar tempo, mas graças a Deus e às pessoas que me atenderam até agora, tudo deu certo! Estou impressionado com a atenção e o carinho com que todos me trataram hoje! Veja só: a mulher da Prefeitura me atendeu antes do horário, aceitando aquela fotografia antiga, explicando-me tudo direitinho a respeito do concurso; Peguei um ônibus errado, mas o motorista me ajudou, parando num lugar fora da linha; A moça que me atendeu no hospital o fez com tanta gentileza que nem sabia como lhe agradecer! Além de me preencher rapidamente a guia, fez questão de ligar para o médico marcando hora para a consulta da mamãe! Sabe Luana, sinto-me muito mais animado e esperançoso hoje, vendo que existem muitas pessoas boas neste mundo de meu Deus! Estou, mesmo, muito confiante!
— Existem muitas pessoas boas neste mundo, Raul, mas venha almoçar que logo terá que levar sua mãe ao médico!
— Onde está o nosso filho? Quero lhe dar um abraço!


11h45min h
— Acabamos de fechar, meu senhor! Reabriremos o guichê das guias após as catorze horas!
— Por favor, moça! Eu já estou começando a ficar desesperado! Tomei um ônibus errado e o motorista negou-se a parar próximo daqui! Precisei caminhar dois quilômetros a pé! Tenho que pegar essa guia, voltar para a cidade, apanhar uma fotografia, ir até a Prefeitura fazer uma ficha de inscrição para um concurso, pois estou desempregado, levar minha mãe ao médico! Ela está com pneumonia, sabe?! E também não tenho culpa sobre a fotografia! O fotógrafo disse-me para voltar depois de quarenta minutos e quando voltei, ele tinha ido almoçar! A mulher da Prefeitura não quis aceitar essa minha foto! Veja: A senhora acha que está muito diferente de mim?! A senhora acha que...!
— Acalme-se, meu senhor! O que é isso?! O senhor parece um alucinado!
Realmente, Raul despejara todas aquelas palavras de uma só vez. Não se conformava com o fato de a moça estar fechando o guichê, sem atendê-lo!
— Por favor, moça, dê-me a guia! Por favor! Você não faz ideia de como vai ajudar-me! Por favor, estou desesperado...! Desesperado...! Desesperado....! Desesperado...! Desesperaaaaaado!
— Acorde Raul! Acorde! Você está sonhando! Por que está gritando assim, dizendo que está desesperado?!
Já é madrugada do dia seguinte e o homem acorda sobressaltado e com o coração batendo descompassadamente no peito.
— Ufa! – diz aliviado. — Ainda bem que foi um sonho! Sabe que sonhei com tudo que fiz ontem de manhã, porém com tudo dando errado? Meu Deus! Ainda bem que foi um sonho mesmo! Depois de ser tão bem atendido e tratado pelas pessoas ontem, agora esse sonho maluco! Graças a Deus que esse tipo de pessoa não existe na vida real. Ou será que existe?!


— Procure dormir, Raul – diz Luana, carinhosamente – e, por favor, sonhe com as pessoas “certas”!