domingo, 20 de abril de 2014

O CANTO DO UIRAPURU




Há muito, muito tempo, desde as primeiras canções, quando Sahú-Watô, o Grande Espírito da floresta, se movia suavemente sobre as mansas águas dos Igarapés, ouviu-se o choro de uma criança, que parecia o canto de um pássaro e..., naquele momento..., fez-se um silêncio em toda a floresta!

Assim, nascia um Curumim, que por ter o choro parecido com o canto dos pássaros foi chamado de Wirapu Ru, que significa pássaro que não é pássaro. E ele crescia em graça diante de Sahú-Watô e dos homens, porquanto, desde o primeiro instante de sua vida, foi enriquecido com toda a energia do poder dos elementares, pois nascera no momento da passagem de Sahú-Watô, e, assim, com o passar dos anos ia se manifestando mais e mais a sua elevada influência espiritual.

Wirapu Ru ia se tornando sempre cada vez mais querido, dando sempre mais a conhecer as belas qualidades que o faziam tão amável, pois com alegria obedecia aos ensinamentos mais tradicionais. Trabalhava sempre entusiasmado! Com modéstia se alimentava! Com moderação falava! Com doçura e afabilidade conversava com todos! Com coragem e bravura se destacava! Cada ação, cada palavra, cada movimento de Wirapu Ru abrasava e aquecia o coração de todos que o viam e em particular de duas Cunhantãs, que eram amigas inseparáveis. Uma se chamava Capotira, que significa flor do mato, e a outra Ibotira, que significa flor pequena.

Um dia..., foi decidido que uma Grande Festa para a Grande Matriarca, a Tuxaua da Tribo, seria realizada na próxima lua cheia. Capotira e Ibotira ficaram durante o dia inteiro se preparando com suas pinturas tradicionais para a Grande Festa, que aconteceria naquela noite de luar. Ambas já estavam muito impressionadas com Wirapu Ru, sem perceber que já estavam totalmente apaixonadas. Contudo, amavam em segredo, pois falavam da paixão que sentiam sem dizer, uma à outra, o nome do guerreiro por quem nutriam tão forte sentimento.

E a Grande Festa teve início e, com a aproximação de Wirapu Ru, sob a luz do luar, ambas as Cunhãs descobriram que estavam apaixonadas pela mesma pessoa. No entanto, a amizade entre elas era tão grande que resolveram superar o ciúme, o medo e decidiram que ele é quem escolheria uma das duas.

Logo, toda a Aldeia começou a perceber o que acontecia com as Cunhãs, e o caso foi levado ao conhecimento da Tuxaua, a Grande Matriarca, que resolveu conversar com ambas, a fim de chegar a alguma solução.

         Wirapu Ru foi chamado para depor e afirmou estar surpreso com o declarado amor de ambas as Cunhãs, respondendo à Tuxaua que gostava das duas e não tinha como saber de quem gostava mais. A Tuxaua, então, decidiu: “Aquela que acertar, em pleno voo, o pássaro que eu escolher, será a escolhida de Sahú-Watô”.

No dia seguinte, a Tuxaua escolheu um pássaro branco, que sobrevoava a Aldeia, e as Cunhãs dispararam suas flechas. O pássaro escolhido foi atingido e caiu no solo com uma flecha bem no peito. Como as flechas foram marcadas, ficou fácil saber quem seria a vencedora, que no caso foi Ibotira, que, por esse feito, foi quem se casou muito feliz com Wirapu Ru. Capotira, então, nesse momento, sentiu-se totalmente desamparada, não tinha agora sua melhor amiga, nem o seu grande amor. Muito infeliz, foi-se para a floresta chorar.

Contudo, mesmo estando casado com Ibotira, Wirapu Ru descobriu-se apaixonado por Capotira. Pois o sofrimento da Cunhã foi tamanho, que Wirapu Ru ficou tão sensibilizado e encantado pela mesma energia que resolveu dar margens àquela paixão, encontrando-se às escondidas com sua amada, floresta adentro. No entanto, ambos não podiam viver esse amor, pois poderiam ser mortos se alguém da tribo os descobrisse.

Assim, por se tratar de um amor proibido, Wirapu Ru não poderia se aproximar de Capotira durante as situações mais comuns e, por isso, caiu em profundo sofrimento, amanhecendo muito doente, com uma febre muito forte. E não havia Xamã no mundo que descobrisse que mal olhado seria esse, pois Wirapu Ru estava doente de paixão. Não aguentando mais tanto sofrimento, suspirou, entregando-se a Sahú-Watô, fazendo prematuramente a passagem para o Noçokém.

Sahú-Watô, muito compadecido com a passagem prematura de Wirapu Ru, resolveu transformá-lo num pássaro, dando-lhe um encantador e melodioso canto, e disse: “De agora em diante seu canto vai espantar a sua tristeza e a do mundo inteiro. Seu canto será tão belo que todos os pássaros se calarão para ouvi-lo cantar, passando a ser um símbolo de felicidade”.

Assim, quando o Wirapu Ru canta para a sua amada, com seu canto suave e melodioso por cerca de quinze minutos por ano – apenas -, tem esperança de que um dia Capotira ouça o seu canto e saiba que ele continua a amá-la tanto quanto sempre amou. E é por isso que toda a floresta e todos os pássaros ficam em silêncio ante a seu suave e reconfortante canto, rendendo-lhe homenagem.

E, também, é por isso que Wirapu Ru é considerado um pássaro que sempre traz boas energias, por ser um raríssimo e encantado pássaro. Quem o encontra e ouve seu canto pode fazer um pedido que se tornará realidade. Quem obtiver uma pena sua, terá sorte nos negócios e com as mulheres. A mulher que conseguir um pedaço do seu ninho terá a pessoa que ama apaixonada e fiel pelo resto da vida. Por tudo isso e muito mais, quem ouvir o seu melodioso, suave e inconfundível canto deverá fazer um pedido, que certamente será realizado.