domingo, 22 de fevereiro de 2015

O KUANDÚ E A BORBOLETA






                                         Há muito, muito tempo, desde as primeiras canções, conta-se sobre a amizade entre uma linda, leve e colorida borboleta e um resmungão, agressivo e sempre mal humorado Kuandú, o Porco Espinho. Sim, não tinham praticamente nada em comum, mas em certo momento de suas vidas se aproximaram e criaram um forte laço de amizade.

                        A borboleta era livre, voava por todos os cantos da floresta, enfeitando a paisagem. Já o Kuandú, tinha grandes limitações, não tinha amizade com ninguém, pois sempre que alguém se aproximava dele, acabava de alguma forma se machucando. Por isso, vivia sempre sozinho, não tendo nenhuma amizade. Contudo, a borboleta, muito embora tivesse a amizade de muitos outros animais e a liberdade de voar por toda a floresta, gostava de fazer companhia ao Kuandú, agradava-lhe ficar ao seu lado e não era por dó, mas por companheirismo, afeição, dedicação e carinho. Assim, todos os dias, ia visitá-lo e lá chegando levava sempre uma espetada, depois, então, um sorriso.

                        Entre uma espetada e outra, a borboleta optava por esquecer a dor e guardar dentro do seu coração, o sorriso e os bons momentos. Sempre o Kuandú reclamava de sua sorte e que nada acontecia de bom o suficiente para tornar a sua vida feliz, por isso cobrava da borboleta uma solução para todos os seus problemas. Ela, sempre muito otimista e carinhosa, tentava de todas as formas ajudar-lhe, mas isso nem sempre era possível por ser ela uma criaturinha tão frágil. Os anos se passaram e numa manhã de verão a borboleta não apareceu mais para visitar o seu companheiro. 

                        O Kuandú nem percebeu, preocupado que ainda estava em procurar alguma coisa para comer. E vieram outras manhãs e mais outras e outras, até que chegou o inverno e o Kuandú sentiu-se só e finalmente percebeu a ausência da borboleta. Por isso, resolveu sair do seu cantinho, onde costumava ficar próximo a um igarapé, e sair pela floresta adentro a procurar por sua alada, colorida e sempre animada, amiguinha. Caminhou por toda a floresta a observar cada cantinho onde ela poderia ter se escondido, mas não a encontrou. Cansado, deitou-se embaixo de uma árvore. 

                        Logo em seguida, uma Anta se aproximou e lhe perguntou: 

                        - Quem é você?! E o que faz por aqui?! Eu nunca lhe vi por estas bandas! 

                        - Eu sou o Kuandú, que mora próximo ao igarapé e estou a procura de uma amiga minha, a borboleta que sumiu!

                        - Ah! Então é você o famoso Kuandú?! 

                        - Famoso, eu?! Retrucou admirado. 

                        - É que eu tive uma grande amiga que me disse que também era sua amiga e falava muito bem de você. Mas afinal, qual borboleta você está procurando?! Pergunta a Anta. 

                        - É uma borboleta colorida, alegre, que sobrevoa a floresta todos os dias, visitando todos os animais amigos e sempre disposta a prestar algum auxílio!

             - Nossa! Mas era justamente dela que eu estava falando! Exclamou com pesar a Anta - Você ainda não sabe?! Ela morreu e já faz algum tempo! 

                   - Mo...morreu?! Mas..., como assim?! Como foi isso?! Perguntou desesperado o pobre Kuandú. 

                        - Dizem que ela conhecia, aqui na floresta, um Kuandú, assim como você e todos os dias quando ela ia visitá-lo, saía machucada - Respondeu a Anta -, ela sempre voltava com marcas horríveis e todos lhe perguntavam quem poderia ter-lhe feito aquilo, mas ela jamais contou a ninguém. Insistíamos muito para saber quem era o autor daquela malvadeza e ela respondia que só ia falar das visitas boas que tinha feito naquela manhã e era aí que ela falava com a maior alegria de você. 

                        Nesse momento, o Kuandú já estava derramando muitas lágrimas de tristeza e de arrependimento. 

                        - Não chore, meu amigo, sei o quanto você deve estar sofrendo! Ela sempre me disse que você era um grande amigo, mas entenda, foram tantos os machucados, que ela recebeu, que acabou perdendo as suas asinhas, vindo a adoecer muito, até não conseguir resistir mais e morreu! 

                        - Mas..., por que ela não mandou me chamar nos seus últimos dias?! Pergunta no meio de soluços, o Kuandú. 

                        - Não, todos os animais da floresta quiseram lhe avisar, mas ela os conteve e disse o seguinte: "Oh! Por favor! Não perturbem meu amiguinho com coisas pequenas, ele tem um grande problema, que nunca pude ajudá-lo a resolver! Carrega em seu corpo uma pelagem feita de espinhos, então pode ser difícil demais pra ele vir até aqui. Contudo, se algum dia ele aqui vier, queiram lhe entregar essa carta". 

                        O Kuandú pegou a carta e começou a lê-la, que assim dizia: 

                        "Meu amado amiguinho, não culpe a ninguém por seus infortúnios, afinal são as provações que nos tornam mais fortes. Espero que você possa aceitar as coisas como elas são... Sem pensar que tudo conspira contra você...! Porque parte de nós é entendimento... e a outra parte é aprendizado...!  

                        Que você possa ter forças para vencer todos os seus medos! Que no final possa alcançar todos os seus objetivos! Que tudo aquilo que você vê e escuta possa lhe trazer conhecimento! Que sua vida possa ser longa e feliz! Pois parte de nós é o que vivemos, a outra parte é o que esperamos! Que durante a sua vida você possa construir sentimentos verdadeiramente bons! Que, enfim, você possa aceitar que só quem soube da sombra, pode saber da luz! 

                        Para ser feliz não existe poção mágica! É preciso tão somente ter a alma limpa e desprovida de mágoas e rancores! Quanto mais tempo ficarmos remoendo as dores, mais tempo levaremos para cicatrizar as feridas! 

                        Estamos nesta vida de passagem! Saiba que cada um é livre para cumprir a sua missão! Por isso devemos agradecer sempre ao Grande Espírito da floresta, pela sua compaixão, pela sua graça, pela sua bondade, que estão sempre presentes, sustentando-nos nos momentos mais difíceis." 


 


sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A FOGUEIRA ACESA



                        O maior desejo de Ximbuca era ter alguns dias a sós com o grande Pajé. Acreditava que desta forma seria mais fácil aprender os seus ensinamentos. O Pajé, sabendo dos desejos de Ximbuca, resolveu lhe fazer uma surpresa. Assim, foi que o convidou para passarem alguns dias na floresta adentro.                 
                        Ximbuca deu pulos de alegria e foi correndo arrumar suas coisas para ir com o Pajé para a floresta adentro. Assim, foram caminhando cada vez mais para dentro da floresta até chegarem ao lugar previsto pelo Pajé, que era  formado por mata bem cerrada, sendo necessário caminharem até o pé de uma grande rocha, conhecida por todos como Pedra da Lua. Depois da escalada, o Pajé determinou que Ximbuca preparasse o lugar, onde iriam dormir naquela noite, e que fosse procurar por lenha, pois teriam de fazer uma fogueira, pois logo anoiteceria. Por isso, Ximbuca, com grande devoção, cuidou para que tudo fosse preparado de acordo com a vontade do Pajé, e saiu saltitante em busca da lenha para o preparo da fogueira ao luar.
                        Mas qual foi sua surpresa!? Ximbuca afoito em seus pensamentos, não conseguindo relaxar, acabou tendo muita dificuldade para encontrar lenha que servisse para o preparo de uma boa fogueira, como a que a ocasião sugeria. Depois de passadas algumas horas, Ximbuca voltou trazendo a lenha em seus braços. Estava cansado e muito irritado, mas voltou a sorrir quando o Pajé veio ao seu encontro, felicitando-o pelo esforço, e vibrando positivamente em seu favor, desejando que Ximbuca, na dor encontrada, pudesse evoluir espiritualmente. Pois o pajé sabia o quanto era difícil encontrar lenha boa naquela parte da floresta.
                                    Logo ao chegar, Ximbuca deitou-se para descansar, mas o Pajé imediatamente interveio:
                        - Ximbuca está anoitecendo e nós não temos fogo! Trate de andar rápido e faça uma boa fogueira para que possamos manter os animais afastados!
                        Nossa! Ximbuca não acreditou no que acabara de ouvir, mas, imediatamente se pôs a fazer a fogueira. Quando o fogo estava já bem alto, o Pajé lhe agradeceu e novamente lhe destinou energias reconfortantes, pondo-se a sentar-se ao lado da fogueira. Ximbuca deu-se por satisfeito. Tudo estava na mais perfeita ordem e na mais suave harmonia. Iria finalmente poder ouvir os ensinamentos do Pajé e depois descansar.
                        Foi então que o Pajé lhe falou:
                        - Ximbuca, bravo guerreiro, vou recolher-me e ficarei a noite inteira envolvido com minhas rezas. Quero pedir-lhe uma coisa: não permita, sob hipótese alguma, que este fogo se apague. Amanhã, quando o sol raiar, este fogo deverá ainda estar aceso!
                        Ximbuca tentou perguntar ao Pajé o porquê de tal pedido, mas ele já se recolhera para fazer suas rezas, e Ximbuca sabia que não o poderia incomodar. Entediado, sentou-se ao lado da fogueira. Sabia que não poderia dormir e que o fogo deveria permanecer aceso. Colocava lenha de hora em hora para alimentar a fogueira, e de repente olhou para o céu viu que poderia chover, pois o tempo fechou, cobrindo os raios do luar. E agora?!
                        O tempo passava e o dia já estava quase amanhecendo e Ximbuca, a essa altura, estava furioso. Sentia tanta raiva que teve vontade de abandonar o Pajé ali mesmo. Contudo, teve que desarmar sua rede para poder cobrir a lenha e proteger a fogueira da chuva. Estava todo molhado, e não suportando mais tanto sofrimento se pôs a chorar!
                        Momento em que o Pajé apareceu e lhe disse:
                        - Ximbuca, se tens por propósito descobrir os segredos do poder dos elementares, procura primeiramente iluminar-te e servir ao Grande Espírito da floresta, estando sempre muito bem disposto a cuidar da tua chama interior! Portanto, não permitas que nenhum pensamento e nenhuma emoção - criados por tua própria mente -, contaminem a tua paz e a tua serenidade! Deves procurar formas e formas de manter tua chama acesa, não te entregando jamais aos pensamentos carregados de pessimismo e de desesperança! A confiança em teu propósito é o que te guiará e o que te fará manter sempre este fogo aceso! Sem esta chama, tu cairás na escuridão e o que poderás aprender quando nada podes ver?!

                        Agora já podemos voltar para a nossa aldeia. A nossa missão aqui já está cumprida!