Há
muito, muito tempo, desde as primeiras canções, conta-se sobre a amizade
entre uma linda, leve e colorida borboleta e um resmungão, agressivo
e sempre mal humorado Kuandú, o Porco Espinho. Sim, não tinham
praticamente nada em comum, mas em certo momento de suas vidas se aproximaram e
criaram um forte laço de amizade.
A
borboleta era livre, voava por todos os cantos da floresta, enfeitando a
paisagem. Já o Kuandú, tinha grandes limitações, não tinha amizade
com ninguém, pois sempre que alguém se aproximava dele, acabava de alguma forma
se machucando. Por isso, vivia sempre sozinho, não tendo nenhuma amizade.
Contudo, a borboleta, muito embora tivesse a amizade de muitos outros
animais e a liberdade de voar por toda a floresta, gostava de fazer
companhia ao Kuandú, agradava-lhe ficar ao seu lado e não era
por dó, mas por companheirismo, afeição, dedicação e carinho.
Assim, todos os dias, ia visitá-lo e lá chegando levava sempre uma espetada,
depois, então, um sorriso.
Entre uma espetada e outra, a
borboleta optava por esquecer a dor e guardar dentro do seu
coração, o sorriso e os bons momentos. Sempre o Kuandú reclamava
de sua sorte e que nada acontecia de bom o suficiente para tornar a sua vida
feliz, por isso cobrava da borboleta uma solução para todos os seus
problemas. Ela, sempre muito otimista e carinhosa, tentava
de todas as formas ajudar-lhe, mas isso nem sempre era possível por ser ela uma
criaturinha tão frágil. Os anos se passaram e numa manhã de verão a borboleta
não apareceu mais para visitar o seu companheiro.
O Kuandú nem percebeu, preocupado que ainda
estava em procurar alguma coisa para comer. E vieram outras manhãs e mais
outras e outras, até que chegou o inverno e o Kuandú sentiu-se
só e finalmente percebeu a ausência da borboleta. Por isso,
resolveu sair do seu cantinho, onde costumava ficar próximo a um
igarapé, e sair pela floresta adentro a procurar por sua alada,
colorida e sempre animada, amiguinha. Caminhou por toda a floresta a observar
cada cantinho onde ela poderia ter se escondido, mas não a encontrou.
Cansado, deitou-se embaixo de uma árvore.
Logo em seguida, uma Anta se aproximou e lhe
perguntou:
- Quem é você?! E o que faz por aqui?! Eu nunca lhe vi
por estas bandas!
- Eu sou o Kuandú, que mora próximo ao
igarapé e estou a procura de uma amiga minha, a borboleta que
sumiu!
- Ah! Então é você o famoso Kuandú?!
- Famoso, eu?! Retrucou admirado.
- É que eu tive uma grande amiga que me disse que também
era sua amiga e falava muito bem de você. Mas afinal, qual borboleta você está
procurando?! Pergunta a Anta.
- É uma borboleta colorida, alegre, que sobrevoa a
floresta todos os dias, visitando todos os animais amigos e sempre
disposta a prestar algum auxílio!
- Nossa! Mas era justamente dela que eu estava
falando! Exclamou com pesar a Anta - Você ainda não sabe?! Ela
morreu e já faz algum tempo!
- Mo...morreu?! Mas..., como assim?! Como foi
isso?! Perguntou desesperado o pobre Kuandú.
- Dizem que ela conhecia, aqui na floresta, um Kuandú,
assim como você e todos os dias quando ela ia visitá-lo, saía machucada
- Respondeu a Anta -, ela sempre voltava com marcas horríveis e
todos lhe perguntavam quem poderia ter-lhe feito
aquilo, mas ela jamais contou a ninguém. Insistíamos muito para saber quem
era o autor daquela malvadeza e ela respondia que só ia falar das visitas boas
que tinha feito naquela manhã e era aí que ela falava com a maior alegria de
você.
Nesse momento, o Kuandú já estava derramando
muitas lágrimas de tristeza e de arrependimento.
- Não chore, meu amigo, sei o quanto você deve estar
sofrendo! Ela sempre me disse que você era um grande amigo, mas entenda,
foram tantos os machucados, que ela recebeu, que acabou
perdendo as suas asinhas, vindo a adoecer muito, até
não conseguir resistir mais e morreu!
- Mas..., por que ela não mandou me chamar nos
seus últimos dias?! Pergunta no meio de soluços, o Kuandú.
- Não, todos os animais da floresta quiseram lhe avisar,
mas ela os conteve e disse o seguinte: "Oh! Por favor! Não perturbem meu
amiguinho com coisas pequenas, ele tem um grande problema, que nunca
pude ajudá-lo a
resolver! Carrega em seu corpo uma pelagem feita
de espinhos, então pode ser difícil demais pra ele vir até aqui.
Contudo, se algum dia ele aqui vier, queiram lhe entregar essa carta".
O Kuandú pegou a carta e começou a lê-la, que
assim dizia:
"Meu amado amiguinho, não culpe a ninguém
por seus infortúnios, afinal são as provações que nos tornam mais fortes. Espero
que você possa aceitar as coisas como elas são... Sem pensar que tudo conspira
contra você...! Porque parte de nós é entendimento... e a outra parte
é aprendizado...!
Que você possa ter forças para vencer todos os seus
medos! Que no final possa alcançar todos os seus objetivos! Que tudo
aquilo que você vê e escuta possa lhe trazer conhecimento! Que sua
vida possa ser longa e feliz! Pois parte de nós é o que vivemos, a outra
parte é o que esperamos! Que durante a sua vida você possa construir
sentimentos verdadeiramente bons! Que, enfim, você possa aceitar que
só quem soube da sombra, pode saber da luz!
Para ser feliz não existe poção mágica! É
preciso tão somente ter a alma limpa e desprovida de mágoas e
rancores! Quanto mais tempo ficarmos remoendo as dores, mais tempo
levaremos para cicatrizar as feridas!
Estamos nesta vida de passagem! Saiba que cada
um é livre para cumprir a sua missão! Por isso devemos agradecer sempre ao
Grande Espírito da floresta, pela sua compaixão, pela sua graça, pela sua
bondade, que estão sempre presentes, sustentando-nos nos momentos mais
difíceis."