No meio da floresta Amazônica, há
muito vive o povo guerreiro, Sateré Mawé, conhecido como “Os Filhos do
Guaraná”, o qual chamamos Çapó, em nossa língua Sateré
Mawé. Sateré, significa lagarta de fogo e Mawé,
papagaio inteligente, curioso e falante. Nosso povo apresenta uma organização
social e cultural bem definida, preservando nossa língua e rituais, apesar de
já haver três séculos de contato com a sociedade majoritária.
Infelizmente, o contato com os brancos
e as guerras com outros povos indígenas, como os Mudurucu e os Parintintin,
têm feito com que nosso território ancestral venha a ser reduzido à reserva,
hoje demarcada.
Recebemos de nossos ancestrais as
técnicas de cultivo e uso do Çapó, que está profundamente
relacionado com nossos costumes mais tradicionais, e cuja representação
simbólica atribuímos vários significados.
Entre tantos rituais, há um que
claramente se destaca. É o Ritual daTucandeira, que acontece desde o
início dos tempos, quando Sahú-Watô, gerou o primeiro trovão.
Conforme nossos costumes, todo guerreiro deve passar por esta prova, que exige
muita coragem, resistência e superação de seus limites, deixando-nos imunes a
inúmeras doenças e fortalecendo nosso corpo e espírito, pois consiste em
colocar as mãos dentro da luva Saaripé, feita de palha e enfeitada
com penas de arara e gavião, e ser picado por centenas de formigas furiosas, as
terríveis Tucandeiras!
No dia do Ritual da Tucandeira,
todos se levantam cedo para os preparativos dos festejos. Todos se pintam pra
Grande Festa, que vai acontecer na noite de luar. Os homens preparam o terreiro
e buscam pedaços de galhos de árvores para montar a fogueira e assar os peixes
e outras iguarias. As mulheres sempre preocupadas com a decoração enfeitam o
terreiro com muitos frutos coloridos coletados na floresta, sempre nervosas com
os Curumins que não param de correr. Os jovens guerreiros
preparam o Jenipapo para pintarem os braços e suas mães, com
um dente de paca, começam a riscar a pele dos braços até quase sangrarem,
braços e mãos que, logo mais, irão ser calçados pelas luvas Saaripé,
cheias de centenas de Tucandeiras.
As Tucandeiras são
formigas grandes com um ferrão muito poderoso, porque são consideradas um dos
insetos que causam maior dor ao homem. Uma picada só destas formigas é
comparada à picada de um escorpião, tamanha a dor que causa. O Ritual pode ser
entendido, também, como medida profilática, pois as ferroadas são consideradas
como uma espécie de vacina e contribuem para o fortalecimento do corpo. Elas
são capturadas vivas e conservadas num bambu, na véspera do Ritual. São
colocadas numa taça com tintura de folha de cajueiro, que tem um efeito
anestesiante. E, meio adormecidas, são colocadas nas luvas Saaripé, com a
cabeça para fora e o ferrão para dentro. Afinal, trata-se de um Ritual de
Passagem, que confere ao participante o título de Guerreiro.
À luz da fogueira e do luar, uma cuia
com Çapó circula pelo terreiro, enquanto alguns ainda se
pintam com Jenipapo e, ao som do ribumbar dos tambores, é o
chefe da tribo que decide o tempo da cerimônia e calça a luva Saaripé,
que chega até ao antebraço nas mãos dos participantes. Estes, sendo
acompanhados na dança rítmica por seus pares, são imediatamente picados pelas
formigas, até o momento em que o chefe tem certeza de que os jovens guerreiros
cumpriram a prova, demonstrando toda a sua fé, força e coragem.
Depois, sentindo uma dor imensa, o
jovem guerreiro é entregue aos curandeiros e aos seus pares. A coreografia se
repete para cada um dos participantes - Com as mãos dentro das luvas Saaripé,
o jovem guerreiro dança e canta ladeado por seus companheiros de rito e outras
pessoas da tribo, inclusive mulheres e crianças, num movimento lateral.
Ao término de cada iniciação, o
ferroado estende as mãos, já inchadas, às Cunhãs púberes, as únicas que podem
lhe tocar, para uma espécie de massagem e, assim, amenizar o efeito da toxina,
que lhe causa uma dor, que está apenas começando e que irá durar por quase 24
horas. Ele receberá o carinho e os cuidados da Cunhã que lhe escolher durante
todo esse tempo, sentindo dor e prazer e, as mais das vezes, dessa relação de
carinho, cuidado e intimidades é que se formam os casais. E, assim, a vida
continua...!
Luar
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