—
Preste atenção, meu filho. Estou no final de meus dias nesta vida e os
Espíritos de nossos antepassados já se encontram aqui para guiar-me na grande
viagem, mas, antes, preciso revelar-lhe um segredo – diz o velho índio ao filho
Ayumara, de trinta e sete anos, ao sentir que suas forças já o estão
abandonando no momento derradeiro da partida.
—
Diga meu pai. Responde Ayumara.
—
Peço aos Espíritos que me dêem forças para que eu tenha tempo suficiente para
contar-lhe tudo.
—
Eu lhe darei as minhas forças – diz o filho, tomando as mãos do velho.
—
O que quero lhe contar, aconteceu há muitos anos, num belo dia em que saí para
caçar e embrenhei-me na Mata da Cobra.
—
Na Mata da Cobra? O senhor entrou lá?
—
Sim.
—
Meu pai, o senhor é um bravo!
—
Deixe-me contar-lhe. Entrei na mata naquele dia e caminhei muito, encontrando
caça abundante. Quando já estava para retornar, vi um pássaro diferente,
bastante colorido, pousado em uma árvore, por detrás de um espesso cipoal.
Caminhei vagarosamente até perto dele e foi, então, que estaquei profundamente
deslumbrado com o que vi um pouco mais ao longe.
—
O que foi que o senhor viu?
—
Percebi, logo à frente, atravessando a cortina de cipós... Eu vi... Meu
filho,... Fico emocionado...!
—
Conte pai.
—
Vi uma imensa e linda cachoeira, e dela bebi a mais deliciosa água que já havia
experimentado. Uma água diferente sabe? Uma água leve, com um ligeiro gosto de
mato. Vi, também, muitas árvores desconhecidas, com muitas frutas. Delas provei
e pareceu-me sentir o sabor do mel em suas polpas.
—
E por que o senhor nunca revelou isso aos outros da aldeia?
—
Esse é o grande segredo, meu filho, que quero lhe revelar.
—
Pois diga meu pai.
—
O meu primeiro impulso, realmente, foi o de contar a todos e levá-los correndo
até aquele verdadeiro paraíso, mas quando aqui cheguei à aldeia, fiquei com
medo e resolvi pensar um pouco melhor.
—
E por quê?
—
Na época, achei melhor descobrir, antes, uma maneira de fazer essa revelação,
porque tive receio de que não soubessem aproveitar bem tudo o que aquele local
poderia oferecer-lhes. Além disso, tive medo, também, de passar por mentiroso,
pois a maioria teme embrenhar-se naquela mata, e passei todos estes anos, usufruindo
sozinho daquele lugar maravilhoso, pensando e pensando sobre uma maneira de
fazê-lo participar também daquela minha felicidade. E hoje que me encontro à
beira da morte, quero lhe ensinar o caminho e pedir-lhe que descubra uma
maneira de revelá-lo a todos os seus irmãos.
—
Farei isso, meu pai, mas conte-me onde fica esse paraíso.
O
velho índio, então, com muito esforço, relata minuciosamente ao filho como chegar
ao cipoal no interior da Mata da Cobra, vindo a falecer, logo em seguida.
Passado
o ritual de despedida pela passagem ao mundo espiritual do velho guerreiro,
Ayumara, munido de muita coragem e confiança no que o pai lhe contara, percorre
o caminho ensinado e, da mesma maneira que o velho índio deleita-se com tudo o
que aquele local, ainda praticamente virgem, pode oferecer.
—
Realmente, meu pai tinha razão. Isto é um verdadeiro paraíso – diz para consigo
mesmo, passando três dias e três noites naquela mata, desvendando e conhecendo,
cada vez mais, as maravilhas que a natureza, graciosamente, ali plantara. — Mas
não posso fazer como meu pai. Tenho que contar a todos os outros para que
possam vir, também, usufruir tudo isto. Talvez, até nos mudarmos para cá.
Sim
– continua a pensar — vou fazer isso, porém, acho que, primeiramente, devo pesquisar
e conhecer melhor todos os mistérios deste lugar. Devo conhecer tudo como a
palma de minha mão, para, só então, anunciar o que meu saudoso pai descobriu.
E
daquele dia em diante, Ayumara, sorrateiramente, sem que ninguém perceba, realiza
mais e mais incursões na Mata da Cachoeira, que foi como a batizou, a fim de
descobrir novos caminhos, novas árvores, novos frutos e novos animais. Porém, o
tempo passa e Ayumara envelhece, chegando também, assim como a seu pai, a hora da
despedida do mundo material e pede a presença de seu filho Taiguara no intuito de
contar-lhe o segredo da mata e assim o faz, rogando que ele não perca tempo com
mais pesquisas e leve o povo para lá morar. Taiguara promete ao pai que fará o melhor
possível para atender ao seu pedido.
—
Não posso acreditar no que vejo! – exclama Taiguara ao entrar naquela mata. —
Preciso contar a todos sobre este paraíso!
E,
dizendo isso, volta correndo para a aldeia, visivelmente emocionado com o que
vira e, principalmente, com o que ainda tem para deliciar-se, pois o velho Ayumara
lhe contara todos os segredos que pudera desvendar durante todos os anos que
passara na mata. Chega esbaforido e tenta reunir todos os PARENTES a fim de revelar-lhes
de uma só vez aquela descoberta que somente ele conhecia. Estava muito
orgulhoso disso. Tinha certeza de que seria considerado um grande guerreiro.
Porém,
por mais que tentasse, não conseguia reunir a todos de uma só vez. Quando conseguia
reunir um pequeno grupo, os outros se dispersavam para tratar de suas atividades.
Mesmo à noite, era-lhe difícil. Decidiu, então, procurar a Tuxaua da tribo para
pedir-lhe que fizesse uma reunião, dizendo-lhe que tinha uma grande revelação a
fazer.
—
Que revelação é essa, meu filho? – pergunta-lhe a chefe maior da tribo.
—
A senhora me desculpe, mas gostaria de eu mesmo falar a todos de uma só vez –
pede Taiguara, tomado de orgulho e de egoísmo, pretendendo angariar, somente
para si, os louros da descoberta.
—
Isso é impossível, Taiguara. A nossa tradição diz que somente a Grande
Matriarca, a Tuxaua, pode falar a todos de uma só vez. Se você me contar o que
sabe, farei uma análise do assunto e, aí, então, se eu achar que é do interesse
de todos, eu mesma farei a comunicação.
Taiguara
pensa um pouco e, temendo não ser levado a sério, meneia a cabeça negativamente.
A Tuxaua ainda insiste mais uma vez, sabiamente, sugerindo-lhe:
—
Se não quer contar-me, mas acha muito importante que os outros saibam, conte a
alguns poucos e estes se incumbirão de repassar aos outros. O que não se pode é
fazer uma grande reunião.
Taiguara
agradece a atenção e sai cabisbaixo da oca da Tuxaua e até o fim de seus dias,
dirige-se à Mata da Cachoeira, onde fica tentando descobrir uma forma de falar
a todos e, da mesma forma, como seu pai e seu avô fizeram na hora da derradeira
partida, chama o filho Aracaya e relata-lhe tudo, pedindo que descubra uma
maneira de tornar público o segredo que já passara incólume por três gerações.
Aracaya,
assim como o pai, fica, então, conhecendo a Mata da Cachoeira e após muitos
dias de reflexão, acaba descobrindo mirabolante maneira de realizar o que o pai
lhe pedira. Procurando chamar a atenção de todos, corre até a aldeia, sobe numa
grande árvore e munido de um arco e de muitas flechas, começa a atirá-las a esmo
sobre todos os que se aproximam daquele local, na intenção de fazer com que toda a tribo aglomere-se embaixo daquela árvore, a fim de que possa, então, falar de uma só vez a todos, sem que
tenha descumprido a lei, pois, afinal de contas, não conclamara nenhuma reunião
pública.
Porém,
o que acontece é que terminadas as flechas, da árvore é retirado e como costume
da tribo, é amarrado pelas mãos e pelos pés num dos troncos da oca de sua
mãe, permanecendo, dessa maneira, por muitos anos, sendo alimentado por uma velha
índia. Ninguém mais, a partir daquele momento, dá-lhe ouvidos, já que é considerado
como alguém que perdera a razão. Alguns anos se passam e Aracaya vem a falecer
sem ter nenhum descendente para contar sobre os segredos da Mata da Cachoeira.
Todos
nós sabemos que possuímos duas importantes missões, tanto no plano espiritual,
quanto no plano terreno: uma que é a de evoluirmos moralmente, com a grande
oportunidade que o Grande Criador, nosso Pai, nos oferece, a fim de apararmos as arestas de
nossa ignorância.
E
a outra intrinsecamente ligada à primeira, já que, se cumprida, em muito
contribuirá com ela, que é a de servir ao nosso semelhante. E isso, obviamente,
podemos cumprir até nas ocupações mais simples e anônimas. Agora, imagina naquelas de cunho mais importante como repassarmos aos nossos irmãos, seja por meio
de ensinamentos teóricos, seja por edificantes ensinamentos, através do exemplo
prático, as lições do mais alto que já assimilamos em nossos corações.
Agora,
quantas e quantas vezes, temos agido como o velho índio, seu filho Ayumara, o
neto Taiguara e, finalmente, Aracaya, achando que ainda é cedo para cumprirmos
com essa ou aquela missão, amparando-nos com a íntima desculpa de que não
possuímos condições para tanto ou, então, que nossos irmãos necessitados não
têm capacidade de assimilação, que não temos tempo ou, mesmo, o que é pior, sentirmo-nos
travados pelo nosso egoísmo, pelo nosso orgulho ou imensamente aprisionados
pelos prazeres e gozos materiais.
Não
devemos perder nunca o nosso tempo, mesmo que seja para oferecermos um simples
sorriso a um nosso semelhante ou sermos polidos e educados com todos os que nos
cercam, tendo sempre uma palavra amiga e compreensiva. A oportunidade nos é
oferecida a todo o momento, a cada minuto, a cada segundo e não podemos
perdê-la porque na verdade, e é bom lembrarmos sempre disso: A hora é agora!
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