quarta-feira, 17 de abril de 2013

O VOO DO GAVIÃO REAL



Assim que cheguei aqui em São Paulo, em um mês havia arranjado o meu primeiro trabalho na cozinha pela cooperativa como cozinheiro. O trabalho era no Atacadão de Guarulhos, na rua: Otávio Braga de Mesquita, no município de Guarulhos. É um supermercado que faz parte de uma grande rede atacadista. De lá, dava pra ver, pelo basculante da cozinha, o movimento intenso dos aviões na pista do aeroporto de Cumbica, aterrissando e levantando voo. Eu ficava olhando - sempre que podia - e lembrando que foi lá que, fazia um mês, havia chegado daquela mesma forma como aquelas pessoas que continuamente desembarcavam no aeroporto.
O movimento que os aviões faziam ao levantar voo, com suas asas enormes e bem abertas, fazia-me mergulhar em profundas lembranças, ainda bem vivas em minha memória, e me fazia recordar do voo do Gavião Real, cujo padrão comportamental, em muito, remetia-nos às nossas representações simbólicas mais tradicionais.
O Gavião Real (Harpia harpyja) da Amazônia é maior do que a águia norte-americana. É um caçador perfeito e é a mais poderosa ave de rapina do mundo. Há muito, habita as florestas da região Amazônica.
Ele se desloca com velocidade surpreendentemente fascinante por entre as copas das árvores gigantescas da floresta, atingindo suas presas em voos rápidos e ataques precisos, porquanto caça por espreita. Fica observando suas presas por longos períodos, o que a torna uma ave discreta e pouco notada apesar de seu enorme tamanho e envergadura - Chega a medir mais de 2 (dois) metros de uma ponta a outra da asa e chega a pesar mais de 10 (dez) quilogramas.
Está no topo da cadeia alimentar. Alimenta-se de bichos preguiça, macacos, cutias, pacas, quatis, tatus, jabutis, veados (adora! principalmente os filhotes!), caititu (porco do mato), e, inclusive, cachorros. Não raro, temos nossos cães atacados por Gavião Real. Também captura araras, papagaios, tucanos, patos, garças, bacuraus, anuns e outras aves que por acaso apareçam em seu território.
Constrói seu ninho no copado das árvores mais altas como a gigantesca Sumaumeira, também nas mais altas Castanheiras, localizadas nos pontos mais altos da floresta. Utiliza pilhas de galhos secos que são cuidadosamente selecionados para a construção de seu ninho. Lá do alto, ele fica a observar tudo ao seu redor, nada escapa à sua apuradíssima visão. Tem um olhar extremamente aguçadíssimo, de precisão telescópica.
O macho tem hábitos bem peculiares e prefere a solitude. Vive como um autista em seu próprio mundo, impenetrável por outrem. Até que encontra uma fêmea, exalando feromônios em evidente estado de cio, que lhe faz sentir o doce e encantador cheiro do amor. Ele a corteja, mostrando sua força, sua incrível capacidade de sobrepujar a todas as dificuldades comuns para o perfeito domínio territorial na luta pela sobrevivência.
Pode acontecer, contudo, de aparecer outro Gavião Real, igualmente atraído pelo mesmo cheiro, e que esteja disposto a entrar na luta pela escolha de tão ditosa dona desse provocador, envolvente e inebriante cheiro de fêmea no cio.
A disputa, então, começa. Apenas um será o escolhido. Cabe exclusivamente à fêmea a escolha, a decisão. É uma escolha sempre difícil, pois são aves magníficas. A escolha formará um casal para toda a vida. Depois de formado o casal, eles não se separam mais. O preterido terá de aceitar e respeitar a decisão, resignando-se em se submeter a novo processo de acasalamento, mas em outro território e em outro momento. Então, abre as asas e voa o mais alto que pode, acima das nuvens, para longe do olhar, do campo de visão do macho vencedor. Ele não sabe como será a sua realidade no próximo território que ocupará. Mas, intuitivamente, sabe que a natureza o dotou com todas as possibilidades para sobreviver e dominar. Portanto, ele parte confiante em seu futuro.
O casal, recém-formado, comemora o novo enlace com o surgimento de dois a três ovos, que eclodem no período de cerca de 60 dias. Não raro ficarem apenas dois. Os pais saem à caça de alimentos e, na volta, a mãe alimenta-se próximo dos filhotes, a fim de que os mesmos vejam-na alimentar-se e a forma como o faz. Agindo assim, a mãe ensina pela observação. Ela não alimenta os filhotes como as outras aves, que deixam o alimento cair dentro dos bicos de seus filhotinhos. Não. A mãe Gavião Real instiga nos seus filhotes o desejo por se deslocar e bicar o que for possível dos restos que propositadamente deixa cair. Os filhotes, sentindo a dor motivada pela fome que lhes devora as entranhas, esforçam-se por se alimentar do que lhes for possível. Começa aí, a luta pela sobrevivência onde o mais forte, o mais rápido e o mais esperto vence.
Assim, o casal de Gavião Real sabe que a própria corrida pela sobrevivência selecionará apenas um dos filhotes. Aquele que se esforçar mais e demonstrar maior força de vontade de viver, mostrando maior capacidade de superação e facilidade de adaptação a situações adversas.
O filhote sobrevivente será alimentado pelo período de um ano. Ao fim do qual estará pesando quase o dobro de seus pais. Estará cheio de vontades, muito reclamão e fazendo birra o tempo todo – comportamento típico dos adolescentes -, os pais, então, entreolham-se e tomam uma decisão: atacam o filhote de forma violenta, destruindo todo o ninho, a fim de que não seja mais possível considerar a ideia de se ter um lugar para voltar.
Para sobreviver, o jovem Gavião tem de fazer uma coisa pela primeira vez na sua vida, voar. Ele está muito pesado - mas voar é uma capacidade que as aves instintivamente desenvolvem naturalmente. Mesmo atabalhoado, ele consegue superar seu primeiro grande desafio pela sua própria sobrevivência. Logo, descobrirá que, mesmo todo sem jeito, dificuldade pra voar entre as copas das muitas árvores da floresta é o seu menor problema. Pois, ele terá de sobreviver numa floresta, que lhe mostrará um universo ainda desconhecido para ele, cheio de muitos mistérios e surpresas, ainda, inimagináveis.
Ele certamente passará por dificuldades muito mais difíceis. Estranhará muito a nova realidade que se apresenta. Passará fome. Sentirá sede. Sem poder contar com as facilidades da vida social – típico de outras aves -, encontrará na dor da mesma solidão o bálsamo que lhe fará despertar todas as suas potencialidades naturais, que são as ferramentas de que necessita para sobreviver no competitivo e seletivo processo natural. Pois ele, naturalmente, sabe que a própria natureza o dotou com todas as possibilidades e recursos para que ele não só sobreviva, mas que também domine no território em que estiver, porque ele foi selecionado para que subsista entre os melhores.
Eu ficava olhando para os aviões e considerava, que assim como o Gavião Real, recém-chegado a um novo território, não sabia que caminhos percorrer, ou em quais fontes buscar. Tinha apenas um grande desejo, conseguir obter uma boa formação profissional. E foi em busca desse objetivo que eu me lancei nesta nova floresta, uma floresta "de pedras", mas uma floresta. Foi necessário que eu fosse submetido ao natural processo seletivo de sobrevivência e de superação. Não sabia como seria, apenas sentia na dor da necessidade e na gradativa aprendizagem solitária, o elemento refrigerante e revigorante que, intuitivamente, fez despertar em mim as melhores qualidades, que, por sua vez, fez-me nutrir o entusiasmo, a motivação e a esperança necessários para a conquista dos meus ideais, como o Gavião Real.


Luar






A LENDA DA VITÓRIA-RÉGIA

        Os Pajés contam que, há muito, muito tempo, no começo do mundo, Jaci (Deusa Lua) se escondia no horizonte, parecendo descer por trás das serras. Ao entardecer, beijava e enchia de luz os rostos das mais belas virgens Cunhãs da aldeia, escolhendo, dentre as mais belas virgens, uma para viver com ela. Diziam, ainda, que se Jaci gostasse muito de uma jovem, transformava-a em estrela do Céu.
Um dia, uma linda jovem virgem da tribo, a guerreira por nome Naiá, depois de ter ouvido a estória, vivia sonhando com esse incrível encontro e mal podia esperar pelo grande dia em que seria chamada por Jaci. Os mais idosos da tribo alertavam a virgem Cunhã que depois de seu encontro com Jaci, conforme se acreditava, as moças perdiam seu sangue, sua carne e todo o seu corpo, transformando-se em luz e logo se tornavam nas estrelas do céu. Naiá ouvia aquelas impressionantes estórias e sentia muita curiosidade de conhecer Jaci, talvez porque no fundo Naiá quisesse saber para onde Jaci levava a sua virgem escolhida.
Por isso, à noite, andava pela floresta adentro atrás de Jaci, sem nunca alcançá-la. Situação que passou a se repetir todas as noites, terminando sempre com a frustração de Naiá, tanto que, ao voltar, logo pegava no sono, totalmente exausta e, sem desistir em seu íntimo, sonhava com o tão desejado, encontro embalada em sua rede.
O desejo por encontrar Jaci consumiu Naiá de tal forma que já não comia e nem bebia mais nada. Não havendo Pajé no mundo que lhe tirasse o obcecado desejo de encontrar Jaci.
Um dia, em mais uma de suas muitas peregrinações noturnas atrás do luar, resolveu parar para descansar e beber água, pois estava com muita sede após longa caminhada pela floresta. Assim, sentou-se à beira de um lago e viu, em sua superfície, a imagem de Jaci, a Deusa amada, refletida em suas águas. Enfraquecida por falta de alimento e visivelmente abatida, ao ver a imagem de Jaci refletida nas águas, não encontrando forças para pensar direito e impulsionada por forte emoção, lançou-se no fundo das águas numa tentativa desesperada de encontrá-la, e se afogou.
Jaci, compadecida com a triste tragédia, quis recompensar o sacrifício da bela jovem Cunhã, e resolveu transformá-la em uma estrela diferente de todas, ou seja, resolveu fazer com que Naiá brilhasse da terra mesmo. Assim, Jaci poderia ver Naiá, olhando lá do céu. Por isso, transformou-a em uma "Estrela das Águas". Única e perfeita estrela que brilha da terra, podendo seu brilho ser visto lá do céu. Essa Estrela é a Vitória-Régia.
Assim nasceu uma das mais lindas e exóticas plantas, que é símbolo da floresta Amazônica, cujas flores enormes, perfumadas e brancas só abrem à noite e, ao nascer do sol, ficam rosadas.


Luar