sábado, 20 de abril de 2013

O RITUAL DA TUCANDEIRA



No meio da floresta Amazônica, há muito vive o povo guerreiro, Sateré Mawé, conhecido como “Os Filhos do Guaraná”, o qual chamamos Çapó, em nossa língua Sateré MawéSateré, significa lagarta de fogo e Mawé, papagaio inteligente, curioso e falante. Nosso povo apresenta uma organização social e cultural bem definida, preservando nossa língua e rituais, apesar de já haver três séculos de contato com a sociedade majoritária.
Infelizmente, o contato com os brancos e as guerras com outros povos indígenas, como os Mudurucu e os Parintintin, têm feito com que nosso território ancestral venha a ser reduzido à reserva, hoje demarcada.
Recebemos de nossos ancestrais as técnicas de cultivo e uso do Çapó, que está profundamente relacionado com nossos costumes mais tradicionais, e cuja representação simbólica atribuímos vários significados.
Entre tantos rituais, há um que claramente se destaca. É o Ritual daTucandeira, que acontece desde o início dos tempos, quando Sahú-Watô, gerou o primeiro trovão. Conforme nossos costumes, todo guerreiro deve passar por esta prova, que exige muita coragem, resistência e superação de seus limites, deixando-nos imunes a inúmeras doenças e fortalecendo nosso corpo e espírito, pois consiste em colocar as mãos dentro da luva Saaripé, feita de palha e enfeitada com penas de arara e gavião, e ser picado por centenas de formigas furiosas, as terríveis Tucandeiras!
No dia do Ritual da Tucandeira, todos se levantam cedo para os preparativos dos festejos. Todos se pintam pra Grande Festa, que vai acontecer na noite de luar. Os homens preparam o terreiro e buscam pedaços de galhos de árvores para montar a fogueira e assar os peixes e outras iguarias. As mulheres sempre preocupadas com a decoração enfeitam o terreiro com muitos frutos coloridos coletados na floresta, sempre nervosas com os Curumins que não param de correr. Os jovens guerreiros preparam o Jenipapo para pintarem os braços e suas mães, com um dente de paca, começam a riscar a pele dos braços até quase sangrarem, braços e mãos que, logo mais, irão ser calçados pelas luvas Saaripé, cheias de centenas de Tucandeiras.
As Tucandeiras são formigas grandes com um ferrão muito poderoso, porque são consideradas um dos insetos que causam maior dor ao homem. Uma picada só destas formigas é comparada à picada de um escorpião, tamanha a dor que causa. O Ritual pode ser entendido, também, como medida profilática, pois as ferroadas são consideradas como uma espécie de vacina e contribuem para o fortalecimento do corpo. Elas são capturadas vivas e conservadas num bambu, na véspera do Ritual. São colocadas numa taça com tintura de folha de cajueiro, que tem um efeito anestesiante. E, meio adormecidas, são colocadas nas luvas Saaripé, com a cabeça para fora e o ferrão para dentro. Afinal, trata-se de um Ritual de Passagem, que confere ao participante o título de Guerreiro.
À luz da fogueira e do luar, uma cuia com Çapó circula pelo terreiro, enquanto alguns ainda se pintam com Jenipapo e, ao som do ribumbar dos tambores, é o chefe da tribo que decide o tempo da cerimônia e calça a luva Saaripé, que chega até ao antebraço nas mãos dos participantes. Estes, sendo acompanhados na dança rítmica por seus pares, são imediatamente picados pelas formigas, até o momento em que o chefe tem certeza de que os jovens guerreiros cumpriram a prova, demonstrando toda a sua fé, força e coragem.
Depois, sentindo uma dor imensa, o jovem guerreiro é entregue aos curandeiros e aos seus pares. A coreografia se repete para cada um dos participantes - Com as mãos dentro das luvas Saaripé, o jovem guerreiro dança e canta ladeado por seus companheiros de rito e outras pessoas da tribo, inclusive mulheres e crianças, num movimento lateral.
Ao término de cada iniciação, o ferroado estende as mãos, já inchadas, às Cunhãs púberes, as únicas que podem lhe tocar, para uma espécie de massagem e, assim, amenizar o efeito da toxina, que lhe causa uma dor, que está apenas começando e que irá durar por quase 24 horas. Ele receberá o carinho e os cuidados da Cunhã que lhe escolher durante todo esse tempo, sentindo dor e prazer e, as mais das vezes, dessa relação de carinho, cuidado e intimidades é que se formam os casais. E, assim, a vida continua...!

Luar



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